16.2.05

Shadows of Redemption

"um sobretudo não é muito diferente de uma capa, no final das contas"
-Frank Miller

Não é novidade: uma das coisas que mais aprecio são quadrinhos, e entre eles - mas não somente - quadrinhos de super-heróis.

Não vou entrar aqui em múltiplas e complexas leituras e análises sobre o papel da HQ de super-heróis na formação do coletivo cultural, ou qualquer outra balela acadêmica. É só uma idéia que eu tive.

Shadowrun (o RPG que jogamos atualmente) é um jogo de anti-heróis. Na verdade, eu diria até que é um jogo de criminosos. Um jogo de criminosos free-lancers fazendo missões contra ou a favor das mega-corporações, tendo o mesmo papel que os lendários ninja do Japão feudal. Guerreiros das sombras. Combatentes, infiltradores, especialistas habilidosos em sua arte e técnica servindo a quem pagar mais.

Em útima - ou em qualquer análise - criminosos. Contudo, diferente dos criminosos de carteira assinada, eles não trabalham (pelo menos normalmente) para prganizações criminosas, preocupam-se com o bem-estar da comunidade onde vivem, com balas perdidas, com dano colateral. Alguns fazem pequenos serviços dentro de seu bairro, corrijem algumas injustiças invisíveis, muitas vezes para seu próprio bem, mas não apenas - eles vivem ali, e mesmo levando em conta a necessidade de uma política de boa vizinhança, eles se integram na comunidade porque sabem que sozinhos são alvos. Fazendo parte de um grupo, de uma comunidade, podem derrubar gigantes - como as corporações sob cuja sombra eles vivem.

E me veio a idéia de shadowrunners como anti-heróis. Oh, não é necessário forçar a barra: gente como o Justiceiro, o Corvo e o Sombra São exemplos perfeitos deste tipo de personagem. Alguns nem precisam adaptar direito. O Justiceiro é um mercenário barra-pesada que depois de duas temporadas em Guerra do Deserto IV volta para casa só pra ver sua família ser assassinada no conflito entre agentes de duas corporações. O Sombra é um adepto somático pra lá de poderoso com vários graus de Iniciação, cheio de contatos e seguidores. O Corvo é um espírito encarnado com poderes descomunais, talvez resultado de um experimento mágico, ou talvez de uma Perseverança tão grande que conseguiu superar a morte para exercer sua vingança - por outro lado, podem haver coisas que ainda desconhecemos sobre o Sexto Mundo.

Viu só? Não é tão difícil. E pra completar, procurando por mais informações sobre o tema na Internet, encontrei uma edição especial do Shadowrun Supplemental, um fanzine on-line de Shadowrun (e muito bom, por sinal) com exatamente esta temática. Abaixo segue o texto introdutório do arquivo (escrito por Patrick Goodman), devidamente (e livremente) traduzido por mim.

Ela sentou-se na beirada da cobertura, olhando por sobre as favelas do sudoeste de Houston, dez andares abaixo do seu apartamento. Até agora tinha sido uma noite quieta, e não seria ela a primeira a reclamar. Olhou para o céu, perdendo-se na confusão de estrelas que ainda eram visíveis sob as luzes urbanas e as camadas de poluição. Tentou encontrar algumas constelações conhecidas, mas nunca tinha sido boa nisso. Apenas gostava das belas jóias noturnas.

Sua contemplação foi interrompida pela espírito urbano que ela havia deixado fazendo a ronda. “desculpe interrompê-la”, disse, sua voz suave e fria como a brisa da baía, “mas temos problemas a alguns quarteirões a oeste daqui. Seis grandes, um pequeno.” Ela levantou-se, olhou para o espírito e disse “leve-me até lá, por favor.” Um instante depois, estava voando para oeste, a forma do espírito carregando-a tão facilmente como a uma boneca. Apontou para um telhado próximo ao beco onde o espírito havia indicado, e ele gentilmente a pousou ali.

Era um beco sem saída, e na iluminação agonizante da rua, Thunder podia vez um pequeno grupo de homens e mulheres cercando alguém no final do beco. Era uma mulher, implorando para que não a ferissem. Thunder balançou a cabeça ante a cena três andares abaixo. “Então os dragões desta noite são gangbangers. Quem sou eu para discordar?” Ela ergueu a mão direita até o peito e golpeou o pequeno escudo branco do tamanho de seu punho e costurado ao sobretudo, com a cruz vermelha de São Jorge gravada sobre ele. Era a única porção de cor em sua vestimenta. “Ajude-me com isso”, ela disse reverentemente.

Deu um passo para a borda do telhado e tocou o bracelete dourado no punho direito, que começou a brilhar com uma suave luminescência. Voltando-se para o espírito, ela disse,”fique por perto, eu posso precisar de ajuda.” O espírito desapareceu sem aviso, mas Thunder ainda podia sentir sua presença; ele estaria ali se ela precisasse. Desabotoou o sobretudo, certificou-se de que seus tomahawks estavam firmes no cinto e saltou para a escuridão do beco. O feitiço de levitação em seu bracelete evitou que fosse esmagada no pavimento. Abriu os braços e as abas do sobretudo foram sacudidas pelo vento como asas de ébano.

Ela interrompeu a queda quase um metro acima do chão do beco. Ainda flutuando, seu cabelo louro e descuidado soprado pela brisa, observou um dos capangas — suas cores de gangue impossíveis de discernir na penumbra — notar sua silhueta na luz fraca e e quase estroboscópica dos postes. Com um tom tão ameaçador quanto o de um matador de dragões, Thunder disse: “Deixem. Ela. Em paz.”

O resto da gangue espalhou-se ao seu redor, ignorando a mulher que estavam encurralando — que, amedrontada, encostou-se em uma das quinas do beco sem saída. Os punks começaram a avançar, rindo e fazendo piadas sobre a idiota que havia interrompido sua negociação. Thunder tocou o chão e estalou os dedos, uma palma da mão fechada contra a outra, enquanto o resto do grupo se aproximava.

Sorriu. Era hora de trabalhar.

Que tal? Não estou falando em mudar a campanha de uma vez, mas é algo para o futuro... Deixa vocês ganharem mais um pouquinho de karma...

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