Foi em algum momento e lugar ao longo desta semana acadêmica, mas não sei precisar bem onde nem quando.
Minha boa e velha (tá, nem tão velha assim, ela nem chegou a ver os dinossauros batendo as botas) amiga Luciana Celestino, professora de Antropologia, estava discutindo em sala uns textos de Edgar Morin - vocês sabem , estudos da complexidade, ciências cognitivas, todas essas coisas legais de estudar, especialmente se você já consumiu seu peso em Cannabis Indica ou Sativa.
O fato é que a discussão migrou para as questões de homem versus natureza, mito versus ciência e desembocou numa questão interessante, que foi a necessidade que o homem tem em ser "domesticado" pela civilização (aquele tênue verniz de sobrevivência social) para não apenas sobreviver, mas permitir que outras coisas além dele, sobrevivam.
Vamos elucubrar o seguinte: Nossa principal habilidade, além de raciocínio, é a de abstração e de reduzir elementos mais complexos e símbolos e signos, de maneira a permitir a linguagem, e posteriormente, sua representação gráfica, a escrita. O que tem isso de perigoso? De início, nada, se com esse pacote de conhecimento vierem anexos os conceitos de auto-regulação, equilíbrio ambiental (fora do sentido ecológico puro) e equalidade social. Porque o homem, através do conhecimento - e de sua perpetuação pela escrita - desenvolve ciência e tecnologia, que tornaram-se armas de sobrevivência extrema.
Sem civilização, o homem é um bicho muito perigoso. O mais perigoso da face da Terra.
Eu lembrei de quando criava cães de uma maneira mais técnica, lá pelos meus onze, treze anos. Tivemos cães que eram polêmicos à época, como Dobermans, criaturas que eram, segundo o senso comum, traiçoeiras e agressivas. Raças como o Fila Brasileiro, O Rottweiller, e o Mastim Napolitano, naquela época, tinham uma fama tão ruim quanto o Pit-Bull de hoje.
Baboseira. Os cães têm tanta capacidade agressiva quanto qualquer outro carnívoro domesticado pelo homem (incluindo-se aí o próprio), nem mais, nem menos. Tudo depende de como ele é educado ou treinado. Que é o que pode fazer dele um animal agressivo. Meu Doberman era um gato de tão manso, e já vi Rottweillers servindo de babás a crianças pequenas, suportando com uma paciência ímpar os abusos de seus protegidos. Um amigo possui um Pit-Bull que tem a mesma personalidade de um Yorkshire, sendo tão agressivo e perigoso quanto um.
E o que satanás, isso tem a ver como o homem?
Como os cães, o homem é um animal com estreitos laços sociais de grupo - uma das coisas que guiou a escolha do cão como companheiro do homem, ao longo da história e pré-história, já que ambos entendem bem os conceitos de hierarquia, camaradagem e proteção/educação da prole - e que, como o cão, tem terríveis armas embutidas em si, que, livres de adestramento, podem devastar seu grupo.
O Rottweiller é perigoso porque suas mandíbulas podem gerar quinhentos quilos de pressão sobre cada centímetro quadrado de mordida, o bastante para rasgar pele, músculo e órgãos - para não falar em ossos. Nem me perguntem sobre o mastim napolitano, cuja bocarra pode abocanhar uma cabeça humana média. O Pit-Bull foi criado em arenas do período imperial de Roma para lutar e vencer animais bem maiores, como lobos, chacais, guepardos e leões.
O homem evoluiu para derrotar qualquer coisa, incluindo todas as formas de vida, forças da natureza e - como não poderia deixar de ser - a si mesmo. Nosso um quilo e pouco de massa encefálica com alta densidade neuronal é bem mais perigosa, embora não à primeira vista, que garras, dentes, couraças e venenos.
É por iso que somos extremamente perigosos, sem os quesitos humanizantes básicos que citei no começo.
Com isso eu me lembrei de um quadrinho do Alan Moore, onde o Adam Strange combatia uma militar Thanangariana, voando nos céus de um mundo alienígena. A mulher-pássaro faz pouco de Adam, enquanto castiga o já ferido herói:
"Não sei como vocês humanos sobreviveram até aqui. Uma raça fraca, inferior, que não conhece sequer os oito preceitos básicos de combate aéreo."
Fingindo estar mais ferido do que realmente estava, ele a atrai para uma armadilha inesperada, onde ela tem uma morte lenta e dolorosa. Ele conclui, em pensamento:
"Sim, nós humanos podemos não conhecer os oito preceitos básicos de combate aéreo."
"Mas somos uns grandes filhos da puta."
. . . . . . .
Olhando o texto, em retrospectiva, eu acho que ele ficou um pouquinho maior que a média, e talvez não seja tão interessante para a maioria. Bem, dane-se. Até começarem a me pagar R$1,50 por post lido (não, eu não sou ganancioso), vai ser isso mesmo.
Obrigado e boa-noite.