17.7.04

Sobre sonhos e seriados

Há algum tempo atrás (coisa de catorze anos, para ser preciso), eu comecei a ter uma sequência de sonhos em série, um dia após o outro, cada um contando uma parte de uma estória. O mais importante nestes sonhos era a riqueza de detalhes, de eventos, de pessoas. Eu comecei a escrevê-los, mas era tanta coisa, que acabei apenas por escrever um plot de eventos, uma lista de personagens, e depois disso, eu comecei lentamente a escrever uma estória fechada.

Semana passada, eu achei os meus manuscritos destes textos, e alguns dos primeiros esforços. Minha pergunta é: vale a pena? Estou pensando em usar o blog como um catalisador de obrigação. Digamos - uma parte por semana, ou coisa parecida.

Bom, a resposta fica com vocês.

 

Torres de Atlântida

Parte I

Chove ao redor das Grandes Torres: água, som e luz pouco acima de seus cumes afiados. Um açoite frio do céu e atravessando quilômetros até atingir o grande mar e as ilhas do Povo das Torres Altas: as dinastias imortais que se escondem da plebe em costumes febris e delicados, servidos por máquinas, cercados por exóticos animais de estimação — criaturas modificadas geneticamente a seu bel-prazer, tão diferentes da forma que tinham originalmente, que os povos Abaixo acreditavam neles como crias dos Deuses, todos eles — os leões com asas, as serpentes de hálito chamejante, os lobos que andavam sobre duas pernas.

Trovões pontuam o clarão quase incessante dos relâmpagos nesta primeira noite do equinócio de verão. Para as Torres, é uma noite diferente de muitas outras, por vários motivos. Hoje, todas as famílias nobres se reúnem na mais alta de suas torres, esperando...

— Está quente, aqui...

— Você preferiria estar lá fora, eu suponho.

— Não deve fazer muita diferença.... Esta noite maldita...

— Nisto eu concordo. Lady Dartrasis deveria ter contido o seu parto para outra noite. Ou, pelo menos, até o amanhecer.

— Mas não! Ela quer ter seu filho logo esta noite!

— Não é culpa dela, senhores.

— Tampouco é nossa. Noite maldita... Estes relâmpagos todos... Não há ninguém aqui que saiba pará-los?

— Não na noite do Naiv. Ninguém pode.

— Ninguém ousa.

— E ela ousa ter filhos nesta noite!

— Sim, é perigoso, mas a escolha é deles. A escolha dos Regentes.

A isso, os Lordes assentem e espalham-se pela sala de espera da Torre Imperial: Uma abóbada de aço vitrificado, suspensa a quilômetros do solo por poderosos filamentos biometálicos, tênues como as promessas de um feiticeiro. As luzes baixas espalham pequenos círculos de luz indireta pelo aposento de cantos arredondados, repleto de um luxo sucinto e quase descuidado.

A chuva está rugindo algo para eles, escorrendo pelas janelas em forma de bolha. “Ouçam”, ela parece dizer, “Hoje será uma noite para ser contada sempre. Lembrem-se bem”. E eles se envolvem em seus mantos, apesar da temperatura ambiente regulada para um calor subtropical, apesar das chamas que ardem, sobrenaturais, em bastões metálicos nos cantos da sala.

E acariciam seus amuletos de magia ancestral. Mãos se fecham sobre punhos de espadas que guardam o espírito de eficientes guarda-costas, há muito falecidos; jóias que escondem gênios antigos, entidades descorporificadas, padrões de energia presos dentro de um intrincado relevo oculto de poder.

Os Lordes sentem algo que a espessura de seus próprios espíritos não lhes deixa admitir, algo que só crêem reservado para os fracos e inferiores.

Os Lordes das Torres Altas de Atlântida estão com medo.

— Que horas são?

— Deve ser quase manhã.

— Não, não. A manhã irá demorar a aparecer, ainda mais com esta tempestade maldita, esta abominação...

— Não diga isso. Não é uma noite para se falar do mal.

— Por que não? Tudo isso sobre a noite do Naiv é uma estúpida superstição, velhas estórias levadas a sério por tempo demais. Nenhum “mal terrível” caiu sobre nós, há mais de mil e quinhentos anos. O que acham que pode acontecer? Hein?

— Lorde Mallachine... é melhor você se conter... não deveria — começou lorde Enmion, mas não conseguiu completar a frase.

— Não deveria o quê? — cortou Mallachine, com a pedra do seu broche de capa faiscando em um pulsar de luzes azuladas — Blasfemar contra os Deuses Negros da Tempestade? Não deveria dizer que suas ameaças são ridículas? Eu sou um filho das Torres Altas! Não um camponês temeroso, acreditando que o raio e o trovão são deuses famintos pelo seu sangue ralo. — ele ergueu-se, sua voz num vociferar nervoso — Eu sou Mallachine das Torres, filho do Grande Mallad, que parou as ondas com sua voz. Eu não calaria nem se o Antagonista abrisse as portas do inferno, com uma maldição em cada braço e me ordenasse!

— CALE-SE — a voz veio junto com um trovão, e mais alta que seu estrondo.

Não era uma voz que admitisse discussão. Não esperava por balbuciares atrapalhados nem por perdão. Era imperiosa. Era a voz de Lorde Rando Dartrasis, 69o Regente Imperial de Atlântida, coberto de sangue que escorria por sobre o manto e empoçava no chão acarpetado, deixando manchas escuras de um castanho cobreado por onde ele passava. A trilha de um sangue que não era seu, vindo da sala de parto até a presença dos Lordes.

Um par de pequenos corpos, nus e cobertos de muco vermelho mexiam-se e gritavam em suas mãos.

— Que todos saibam que a Casa Dartrasis tem dois herdeiros reais: dois gêmeos. — a palavra fez um sussurro silencioso correr a sala. Gêmeos eram mau presságio entre a nobreza — E — continuou ele — que o trono tem uma Regente a menos.

Lorde Mallachine era o que respirava com mais cuidado, no maior silêncio possível. Aquele homem à sua frente não parecia estar possuído pelo Demônio. Não. Ele parecia ser o próprio Demônio. Pior ainda, pela sua expressão, poderia-se dizer que ele considerava o Inferno como um lugarzinho sem importância.

Então, com os olhos muito azuis injetados de sangue em linhas finas, a pele riscada pelo brilho dos grandes raios lá fora, Rando atravessou a sala em silêncio e foi mostrar a tempestade aos filhos.

Embora há quem diga que foi o contrário.

Mas ora vejam...

Após a dica de Dulldu, em seu último post, eu fiz o teste (última moda na Internet - corram, porque essa merda de netquiz acaba já-já) do site Liquid Generation, e olha só o que saiu:

Bem, poderia ser pior.

Clarice, você está usando uma loção para corpo inteiro (snif, snif, snif), sim, uma loção muito sutil, muito... SUA VADIA!! Nunca mais me apareça aqui usando essa maldita colônia da Avon de novo ou eu arranco seu duodeno com meus dentes!

Como diria Yuri (se ele fosse o Dr. Smith), "Evil knows evil. And I know I can´t be killed by nothing less cooler than me - and that includes you, coffin filler!"

Mais e mais poesia Inútil
(isso não acaba nunca?)

beeemmm... Enquanto eu divido meu tempo entre me readaptar à minha própria casa, à volta à vida conjugal enquanto termino um website, um CD e uma diagramação de livro, eu tenho tentado dar continuidade a alguns esforços literários.

Recentemente, tenho reiniciado alguns esforços passados, feitos na língua de Albion. Um deles, que eu tenho revisitado nesta semana, é o Livro das Definições, uma série de poemas muito curtos à moda enciclopédica. Vejam vocês mesmos:

 

The Book of Definitions

Stars:

Burned Holes
In the sky
So the light
Can pours in.

Sacred:
Something so
Devoid
Of significance
That is unique.

Hope:
Gives meaning
Where is
None.

Bullets:
Just like
Life —
But faster.


Love:
Being kissed
At birth —
Once
And again.

Grace:
Shouldn´t be
Perceived,
But felt.

God:
Is.

Scar:
An assurance
Of what is
To come.

Violence:
Like pleasure,
But without
Joy.

Death:
You
Will
Meet
Her.

Cemetery:
Long shadows
Of green
Where stone
Lays
Asleep.

11.7.04

New Tróia City
ou: Homero se vira no túmulo

Só pra tirar uma dúvida: este post é mais velho que o post anterior, do meu retorno, mas pra ninguém ficar sem ter o que ler, achei melhor colocá-lo on-line. Reclamações? Procure o bispo mais próximo de sua residência.

 

Sábado, 12 de julho, pleno dia dos namorados, eu carrego a minha bem-amada para dar uma saidinha. Sem muito dinheiro no bolso, optamos por uma paquerada embalada por algumas xícaras de cappucino (para mim) e água com gás (para ela). E depois fomos assistir Tróia. Cês sabem. A nova superprodução hollywoodiana cheia de medalhões chama-mulher, como Brad Pitt.

Só que a meu ver, me desculpem e me perdoem, o filme é uma porcaria de marca maior. Em vez de um épico hollywoodiano, como Gladiador, o resultado é muito menos épico e muito mais hollywoodiano.

Tá, tá certo, não é uma porcaria de marca maior. Mas poderia ser um épico à Gladiador (mesmo com Roma parecendo Nova Iorque).

Antes de mais nada: desde quando Helena de Tróia é loura?! Que eu saiba, só daí a vários séculos que os germânicos iam ter a mais vaga idéia de que existia a Grécia, que dirá misturar seu sangue a eles. E, emuito embora os figurantes até sejam bem moreninhos, como convém a um povo do mar, de pescadores, comerciantes, pastores e demais atividades rurais, com é que os personagens princiapis vão ter aquela cara de anglo-saxões?!? O Eric Bana até que não ficou mau de Heitor, com aquela cara meio latinóide e a tez amorenada.

Como diria René: "Riculo!

Como colocou o Java (conhecido pelo vulgo de Henrique), a luta de lanças entre Heitor e Aquiles é da molésta, as cenas de batalhas gerais não chegam a tanto, muito embora as (rápidas) lutas de Aquiles sejam interessantes. Outra baboseira cata-piolho é aquele absurdo de Aquiles decapitando a estátua de Apolo com um golpe de sua espada de BRONZE! Sim, porque a estátua, se fosse de pedra, madeira ou qualquer outra coisa diferente de isopor teria suportado aquele corte numa boa. Certo, certo, provavelmente Aquiles foi a primeira encarnação de Myamoto Musashi.

E a tal da Breseida, que se eu bem recordo minha Ilíada, não é parente da família real troiana nem aqui nem no inferno. Entrou ali no bolo só pra deixar Aquiles como o galã da história. E o que SATANÁS aconteceu com a presença divina? Hollywood sanitizou o troço de uma maneira tal, que até a pobre da Cassandra, uma personagem principal (e importante) do texto, é retirada pra não ter o embaraço de ter que contar uma história que não seja "realista". E nesse negócio todo, acabaram colocando o pobre do Ulisses de escanteio, ficando o espertíssimo herói da Odisséia reduzido à categoria degradante de auxiliar de coadjuvante.

Realista? Pelo meu santo daime, A Ilíada é um texto mítico, tem tanta história ali quanto no papo do Bush de ir para o Iraque "procurar armas químicas". Tróia Existiu? COm certeza. Mas as coisa não foram exatamente como na Ilíada - ali o papo é lirismo, não história.

O pior é o encaminhamento subliminar da coisa toda: uma orgulhosa e benevolente cidade-estado sendo atacada em seu orgulho por acudir uma exilada (ei, desde quando Helena seduziu Páris e QUIS fugir para Tróia? Ela não tinha sido sequestrada?) pelos bárbaros gregos com ímpetos imperialistas de anexar os pobres troianos. Troquem a espada de aquiles por um 747 e a estátua de Apolo pelo World Trade Center e vocês vão começar a ter uma idéia aproximada da coisa toda.

Mas teve uns momentos interessantes. No afã de tornar mais "realista" a narrativa, ficou bem resolvida a morte de Aquiles. No mito grego, o herói brutamontes só poderia ser ferido no calcanhar, por onde sua mãe o segurou ao banhá-lo no rio de onde ele ganhou sua suposta invulnerabilidade. E é exatamente onde ele leva a primeira flechada de Páris (que, segundo a tradição persa já embutida na Grécia, é um excelente arqueiro. Aliás, talvez ele deva algo por ter sido elfo, mas aí já é outro filme) no calcanhar, para que sua mobilidade seja reduzida, dando tempo ao arqueiro para um novo disparo mais certeiro e mais outro, e outro... O herói arranca as flechas e deixa apenas a do calcanhar, antes de morrer - as mais incômodas. Assim fica, para quem o encontrou, que ele só foi morto pela flecha no calcanhar, seu único ponto fraco.

Falando de uma maneira geral: foi divertido, mas poderia ter sido melhor. Se a direção e produção não estivessem tão preocupados em colocar mocinhos e bandidos no filme (Menelau e Agamenon têm uma índole digna de generais americanos no Vietnã), e se preocupassem mais em contar a história de uma guerra de 5 anos ao invés de uma que durou menos de um mês, eu teria ido assistir uma duas ou três sessões.

É meio como Matriz Reloaded e Revolutions: pode ser que não cheguem nem aos pés do original, mas eu paguei com gosto para a segunda sessão de cada.

Payback is a bitch

Para todos que pensaram que eu estava morto, meus sinceros sentimentos (ódio é um sentimento, certo?). Mas ainda não foi desta vez, malditos bastardos.

Da próxima vez, lembrem-se: o fio do detonador vai na bateria do carro, e não no relé do acendedor do painel, já que o mesmo está quebrado desde épocas imemoriais, perdidas na história até mesmo de civilizações desaparecidas.

So... long time don´t see, hum? O caso é que as coisas andaram meio complicadas ultimamente, mas de certa forma, também andaram melhorando: eu consegui alguns trabalhos, e enquanto aquele emprego mamata de meio expediente a dez mil reais por mês para administrar os horários das copeiras da secretaria de serviços gerais não sai, dá pra segurar as pontas.

Boas novas? Bom, Thati não vai mais precisar retirar a vesícula. É isso mesmo: como mágica, os cálculos migraram para o estômago, de onde jamais escaparão... com vida.

As más é que seu cisto, originalmente do tamanho de um caroço de azeitona, que o médico esperava que fosse naturalmente absorvido pelo organismo, expandiu-se para um volume de 500ml, literalmente devorando cerca de 55% de seu pâncras no processo. Assim, ela não poderá mais fazer aquela confortável cirurgia laparatômica que faz duas pequenas inserções de três pontos cada, e terá que se confortar com uma cirurgia abre-costela padrão e ficar com uma bela de uma cicatriz longitudinal do meio dos seios até o umbigo. Adeus, fotos pra Playboy (e eu que sonhava com a grana do DVD especial com o making of das fotos)...

Sequela? bem, basicamente nenhuma, exceto pelo fato do pâncreas ter sido reduzido a menos da metade, ela não vai poder mais contar com a produção normal de enzimas para a digestão de gorduras saturadas e da sempre favorita insulina. Isso significa que adeus gordura, de uma maneira ampla e irrestrita, e adeus açúcar de uma maneira definitiva e completa.

Isso não é nada. O pior são os dois meses de recuperação. A operação deve ser no final de agosto, quando o cisto estará com uma cápsula de tecido mais grossa - e portanto, mais seguro de se manipular. O pior é que ele nem vai ser retirado (quer dizer, não, é como retirar o próprio pâncreas, do qual ele faz parte). O que a cirurgia fará é ligar o cisto ao estômago, de forma que todo o seu conteúdo será drenado para o suco gástrico, murchando e eventualmente sendo reabsorvido pelo corpo. Estripulia de novo, só no final de novembro.

Uma pena que, diferente do fígado, o pâncreas não se regenera. Maldito amador.

Assim, a vida continua, e nossas vidas terão que sofrer uma mudança de rumo gastronômico súbita e completa. Bom, pelo menos é saudável. Ou pelo menos é o que eu tento me convencer todo dia, quando vejo aquelas MALDITAS propagandas de fast-food e de frituras da Sadia.

Maldita TV.

Enfim. Estou de volta. Estamos todos de volta.

Todos nós dois, mais as cachorras.

Seja o que Deus quiser, e é melhor que ele queira, porque senão eu não vou descansar até encontrar um bueiro grande o bastante...