31.12.04

Ano novo, vida nova...

...a mesma $#%@! de sempre.

Ou não, como diria o poeta. Para alguns de nós esta simples mudança de dia - que faz parte de uma sequência de ciclos aleatórios, mais ou menos regida pela evolução de corpos celestiais em seus incomensuráveis passeios no imenso vazio da criação, não se iludam - simboliza a possibilidade, ou melhor ainda, mesmo a certeza de que dias melhores virão.

Cada novo ano é como uma vida nova, fresca e cheirando a Veja limpeza pesada eucalipto, um início - ou a continuidade de um início já fortuito do passado. Tudo é referencial, contextual. Levamos nossas vidas apoiados em promessas de revellion, que pesam em nosso subconsciente como um incômodo souvenir do que não cumprimos, da promessa quebrada que jamais esquecemos. Claro, isso não é a norma.

A norma é que temos esperança. E esta palavrinha safada, usada e abusada ao extremo de sua capacidade semântica parece nos iludir a cada vez que pensamos nela. Não importa os desastres, catástrofes e hecatombes pessoais que afligem nosso cotidiano: a esperança está por ali, brilhando no proverbial fim do túnel, mesmo que o poço sem fundo onde às vezes nos enfiamos seja aprofundado por nossas mãos, munidas de pá, enxada e escavadeira hidráulica 4x4 com caçamba opcional.

Esta absurda, ridícula e absolutamente necessária idéia de esperança me lembra um poema que vi no centro cultural do SESC, coisa de seis, sete anos atrás, em uma exposição de cultura japonesa:

 

A Informação Sobre o Famoso Lugar de Edo

Ele realmente é
como se dragões
tivessem passado
por aqui.
         — Anônimo

 

Acho que o famoso lugar de Edo deveria ser como nossos corações: um palácio de dragões, uma máquina ritmada e precisa que sonha. Que procura potes de ouro no final de arco-íris não porque acredita que existem potes de ouro, mas porque seria divertido procurá-los. Um graal feito de sonho e esperança, daquela inocência preciosa e perdida que tentamos (por algum motivo até então, pelo menos para mim, desconhecido) esquecer, como se fosse uma moléstia fatal.

E para atestar esta fé, eu chamo outro poeta, que traduzi livremente, e cujo anonimato é fruto de minha péssima memória:

 

Credo

Não encontro meu caminho: não existe estrela
nos céus encobertos acima,
e não há um único sussurro no ar,
exceto um tão distante
que ouço como um arranjo de antiga
e perdida música, regido por dedos de anjo e fada.

Folhas mortas cobrem onde não houve rosas jamais.

Não há brilho, sequer chamado,
para quem aceita — mesmo quando teme
o negro e terrível caos da noite,
e através disto tudo — acima, sobre, além
eu vejo a mensagem vinda dos anos,
eu sinto a chegada da luz.

 

E este ano que se aproxima, iminente em sua novidade e variedade de experiências - sejam lá de que tipo forem -, que ele nos seja leve como a chuva que às vezes refresca nossos dias de eterno verão. Que ele traga nossa amizade e amor (como se houvesse diferença entre os dois!) de mãos dadas com nossa esperança e fé, com nossos preciosos sonhos de amanhã, mais dourados que a promessa do paraíso e mais preciosos que o tesouro de um dragão.

Tenham felizes anos - todos eles, sempre. São o votos meus e de Thati para todos aqueles que amamos e até para quem não vamos muito com a cara. Pois todos merecem uma chance.

Alguns merecem até duas.

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