Quando fui vistar a Taverna do Javali, dei de cara com um post sobre o site Kid of Speed, que relata os passeios (fotográficos) de motocicleta de uma jovem ucraniana pela da área próxima a Chernobyl.
Algumas das fotos me trouxeram a lembrança (e talvez não só a lembrança, mas também a sensação) daqueles filmes que eu assistia nas sessões de madrugada da Globo, quando eu tinha oito, nove anos, sei lá (meus pais eram muito tolerantes com a hora de dormir). Eram os então populares filmes de hecatombe nuclear, sobre o fim da vida e da humanidade na face da Terra, preconizados em fábulas às vezes de fundo moral, às vezes apenas como uma fantasia escapista repleta de desespero - como se dissessem "ainda bem que não aconteceu!"
Não aconteceu então, mas qualquer um que tenha passado a adolescência nos anos oitenta pode se lembrar do pânico que pairava no ar, denso ao ponto de você precisar de uma motosserra só para poder levantar da cama. Era na esperança de "ninguém ser louco o bastante para apertar o botão" que seguíamos no dia-a-dia. Talvez seja por causa disso que nossa geração tenha sido tão marcada pelo conformismo. Haviam milhares e milhares de megatons prontos para cruzar oceanos e se espalharem pelo mundo em belos e tóxicos cogumelos a qualquer instante - e não se podia fazer nada sobre isso.
O Java tinha razão. As fotos deixam um sabor estranho na boca. É como jogar Half-Life às três da manhã: seu personagem caminha por longos corredores que na introdução do jogo eram repletos de vida e movimento. E que agora são a única coisa que ele espera não encontrar.
Quando eu tinha catorze ou quinze anos, e a vida me parecia uma confusão, vazia de qualquer possibilidade de sentido, eu costumava me levantar às três e meia, quatro e meia da madrugada (juro por Deus!!) para caminhar até a praia de Ponta Negra (na época, eu morava a meia hora de caminhada da praia). Não haviam ônibus se movendo desde a meia-noite, e poucos carros então tomavam este destino. A praia não era ainda o bordel turístico que conhecemos.
Naquela meia hora, eu me sentia completamente desconectado do mundo, cujos únicos sons eram os do vento atritando contra a duna e sua fina coberta de mata atlântica. Em todos os sentidos, eu era a última pessoa do mundo. As casas estavam fechadas e as lâmpadas dos postes já tinham sido apagadas por seus timers, atentos ao menor sinal de luz matinal. Contudo, eu não identificava este sentimento como mera solidão: era a aceitação de que eu era o último da minha espécie e que qualquer coisa que eu fizesse não significaria nada. Pura angústia de adolescente na interface com um mundo à beira da destruição mútua assegurada
Acho que posso entender como Elena se sentia em seus passeios - trazendo de volta para casa autênticos postais do inferno, revelando que nossa pena final talvez não seja pelo fogo ou pelo gelo (sendo ambos os únicos convidados em Chernobyl, pelos próximos 900 anos), mas pela solidão.
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