20.5.04

Sob a sombra sonora do disco voador

Talvez mais interessante que o texto a seguir, seja o raciocínio de como e talvez, mais ainda, o porquê de eu escrever assim, sem aviso, no meio da tarde.

Vejamos: fazendo a habitual (e não, nunca obrigatória, mas natural) peregrinação entre os sites de amigos blogueiros, encontro um post interessantíssimo da dileta amiga Denise (que, não sendo querida o bastante pelos seus méritos, ainda o é por ser prima e namorada de dois outros grandes amigos), onde ela norteava seus pensamentos do dia segundo referências de colunas e blogs de outros dois jornalistas. Segui a dica. O texto estava tão bom, que fiquei curioso sobre o que a teria inspirado daquela maneira.

Primeiro, o blog Pensamentos Imperfeitos, do jornalista Edu e finalmente, a coluna do Carlão, também conhecido como Carlos de Souza. E foi com o Carlão que eu queimei ruim.

Embora eu até aprecie o espírito do texto, sua finalidade (deixe as besteiras da vida de lado, essas grandes questões insolúveis, os desejos inconquistáveis, a inveja), eu não concordo muito com seu embasamento e algumas opiniões. Normalmente eu deixaria pra lá. Mas ultimamente, eu tenho me encontrado em um estado tal de não-apatia que é uma coisa de louco. Não posso ver um (simbolicamente falando, claro) incêndio que já vou deitar gasolina às chamas.

Problema 1:

Carlão coloca que:

"A maioria pensa que seria mais feliz com um iate, mansão, carrões e fama. Não percebem a dor de um Maradona, as desilusões amorosas de um Ronaldinho, a tristeza de um Roberto Carlos. Tem uma canção de Caetano Veloso que diz, "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é". Nunca vi verdade mais completa. Aí você vê um grupo de pobretões em torno de um churrasquinho, tocando pagode e se divertindo a valer. E se pergunta intrigado, como é que podem ser tão felizes ganhando o salário mínimo? Eles até poderiam dizer que sonham todos os dias com a vida de seus heróis nas novelas da TV, mas não dão a mínima, na manhã seguinte, quando se levantam cedinho para trabalhar no pesado.

Ora, prezado Carlão, sua conclusão é fruto da mais fina e fácil lógica da ideologia ocidental. Conquanto eu entenda que todos têm suas dores (Howard Hughes não era exatamente um homem feliz, apesar de suas realizações e fortuna; Roberto Carlos vive em nó entre o intelecto, emoção e religiosidade), posso afirmar que dinheiro não compra felicidade - mas ajuda a suportar a depressão em Paris. É outra escala. Continuam seres humanos, continuam com seus desejos, dores, dúvidas, paixões, desencantos e alegrias.

Mas não posso dizer que Ronaldinho sofre tanto quanto eu.

Muito embora não se possa quantificar o sofrimento, posso garantir de pés juntos que qualquer dificuldade que ele passe é suavizada, sensivelmente, pelos milhões de dólares que ele possui depositados em sua conta. Jamais terá que trabalhar novamente, pode fazer o que mais gosta (imagino eu) pelo resto da vida, até a natural aposentadoria da atividade esportiva (que geralmente se dá antes do 50 anos!).

Este foi um exemplo isolado, mas eu poderia citar mais três, ou trezentos (para desespero de meus leitores) com a mesma desenvoltura de quem perde um gol contra a França.

A Ideologia, com a qual você municia seu texto, é o que mantém esse status quo social entre os que muito têm e os que pouco ou nada têm - especialmente se comparados os dois últimos ao primeiro. O que se faz, então? Cria-se uma relação de semelhança entre o primeiro e os dois segundos: "olha, aquele povo rico da novela sofre que nem a gente. Aí que a gente vê que nem adianta ter esse dinheiro todo se meu filho mais velho largou a universidade de Oxford pra virar professor de capoeira no Andaraí ou se a minha belíssima esposa me chifra loucamente com o motorista de táxi, seu irmão e o cunhado."

A ideologia torna as diferenças desprezíveis porque ressalta, torna mais importantes do que realmente são, as semelhanças entre classes. Está aí a falha básico do seu enunciado principal.

Q.E.D.

Problema 2:

Muito embora eu não seja UFOmaníaco, ou OVNIsta, como preferem alguns, eu me interesso pelo assunto, bem como toda sorte de conhecimento oculto e arcano, por mais que as palavras possam parecer ilegítimas ou soberbas.

Carlão fala mal (e com razão, deveria ter falado muito mais) do charlatão Erich Van Daniken, célebre autor do "Eram os Deuses Astronautas?" e outros títulos mais que buscavam estabelecer uma relação direta e irrepreensível entre os as culturas da antiguidade e sua possível origem extraterrestre.

Até aí tudo bem, mas quando ele coloca Jacques Bergier e Louis Powell no meio do caldo, a sopa toda corre o risco de entornar.

O problema é que os dois supracitados cavalheiros são pesquisadores sérios do que eles gostam de definir como "fatos anômalos", na mesma tradição de seu predecessor, Charles Fort. Eles não se aventuram a dizer que os deuses eram astronautas, ou mesmo tecer uma teoria baseada nessa possibilidade, mas sim apresentar fatos e idéias insólitas e deixar que o leitor tire suas próprias conclusões.

Como o famoso caso do Objeto de Coso, um pequeno bloco de pedra de alguns milhares de anos, encontrado no Egito, e que um corte seccional e um Raio-X revelou possuir, em seu interior, um objeto terrivelmente similar a uma vela moderna de motores a combustão. Eles não postulam que os faraós egípcios possuíam maquinário pesado para construir as pirâmides, ou que andavam de jet-ski no Nilo. Apenas apresentam o fato, e se perguntam Como e Porquê.

Mas talvez seu pior pecado tenha sido misturar no mesmo saco com Daniken, além dos dois ilustres senhores acima, o sábio Humberto Eco, colocando sua obra O Pêndulo de Focault Como um "reflexo" ou "adesão" a essa onda de misticismo e redescobrimento espiritual pelo qual passa o pós-moderno. Ledo engano. O Pêndulo foi escrito como uma afiada e cáustica sátira às conspirações e aos movimentos conspiratórios, sendo um contraponto mítico-religioso ao Manuscrito Encontrado em Uma Banheira, de Stanislaw Lem.

Desapontou-me ver tão estimado jornalista colocar seus pré-conceitos e falta de informação mais aprofundada como geradores de colunas que, de outra forma, seriam não apenas divertidas e interessantes, mas também informativas.


. . . . . .


Novamente, em retrospecto, talvez eu tenha deixado mais a ira que a razão guiar meus dedos ao longo do teclado na execução deste texto. Não importa. Faz muito tempo que não pratico meu destino manifesto de abater o mal, a ignorância e a falta do que fazer.

Só espero que Carlão não fique chateado.

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