27.9.05

...senta que lá vem a história

Acho que agora vou fazer que nem quadrinista de WebComic: postar contos em datas específicas. Ajuda a manter um ritmo e me dá uma obrigação extra na semana (como se fosse algo que me faltasse...).

No caso, vou terminar a série de contos de Shadowrun (tem mais uns quatro, se não me engano), postando dois contos por semana: um na terça e outro na sexta. Assim pelo menos o povo vai animado pro sábado.

"Hein? Como assim?", vocês devem estar se perguntando. Bom, é isso mesmo. Até eu fechar umas coisinhas com o Gabra sobre o crossover Elíhria/Brazihlia, a gente vai estar caindo de pau em Shadowrun, mas em versão ligeiramente Fudge, para facilitar as coisas. A adaptação já está pronta, basta eu ter tempo pra acertar pequenos detalhes (como os edges and flaws do SR Companion) e "traduzir" suas fichas para a nova versão. Ou vocês gostariam de refazer os personagens? Claro, mantendo os mesmos equipamentos, implantes e unienes... Mas permitindo um melhor refinamento (em um curto espaço de tempo) de seus shadowrunners.

Me avisem. Eu envio o guia de personagens, se for o caso.

 

 

P.S.: a escolha de Shadowrun NÃO tem nada a ver com o fato da minha amada e dileta esposa ter votado "sim" na hora de escolher se voltaríamos a ele ou não. Eu achei que uniria o útil ao agradável, já que preciso de um certo tempo para acertar a transição Elíhria/Brazihlia (em termos de regras e plots) com Gabriel e juntando a isso o fato de todo mundo ter ficado tão animado durante a última sessão (se bem que o salgadinho de soja sabor Cebola & Salsa podem ter tido culpa. Ainda lembro da Aadi gritando ao celular: "sua filha tá morta mesmo, rapá! Se quiser o corpo venha aqui pegar!" Por outro lado, o episódio do Batman com dublagem alternativa do Fernandinho Beira-Mar pode ter ajudado).

16.9.05

Uma dúvida

Essa é bem rápida.

Eu notei que o segundo conto de Shadowrun, Blaze of Fire não rendeu NENHUM comentário. Estava ruim assim, longo demais, ou vocês simplesmente tiveram preguiça de comentar?

Ou as três opções acima?

A questão é: eu tenho mais uns três ou quatro contos estrelando alguns arquétipos de SR, mas será que devo me dar ao trabalho de postá-los? Serão apenas um desperdício de watts e bytes?

Dúvidas, dúvidas...

...e o começo de outra

As coisas ainda não estão exatamente no lugar, mas isso não é motivo pra não começar - ou, no caso, dar continuidade - à vida. É como quando você se muda para uma nova casa: no início, fica tudo bagunçado, mas com o tempo, as coisas vão indo para seus devidos lugares (da caixa de cima para a caixa de baixo, da caixa da esquerda para... vocês entenderam).

Muito embora este ano não tenha sido exatamente prenhe de milagres e maravilhas, muita coisa curiosa aconteceu, como o nascimento das filhas de três grandes amigos (Betho-San, Wagner e André Farkatt, não exatamente nesta ordem) - que serão uma excelente companhia para meu futuro herdeiro -, saiu este bendito trabalho no Procon, o Wag conseguiu um tempinho para vir a Natal (muito embora a gente mal o tenha visto - ô agendazinha lotada, hein seu Wagner?!), muitas coisas curiosas acontecem em Brasília (e eu suspeito que pelo menos metade seja culpa de Pablo), ganhei um upgrade de memória, placa de vídeo e disco rígido o suficiente para ficar tranquilo por alguns meses e a galera me deu um GURPS 4a edição de presente (de vez em quando eu o folheio, as mãos revestidas de luvas cirúrgicas, só para sentir o cheirinho do papel).

Quando a gente olha o prospecto assim desta perspectiva, a coisa toda fica parecendo que não foi tão ruim assim. E acho que é por aí mesmo que a gente deve ver a vida. Quer dizer, não estou querendo dar uma de Pollyana, mas PQP, se a gente não olhar pro lado bom das coisas pelo menos de vez em quando, vai acabar começando a entender por que aqueles americanos malucos enfiam suas caminhonetes com tração nas quatro rodas por lanchonete adentro, brandindo armas automáticas com munição de ponta oca, até que a polícia chegue ou a munição acabe. O que vier primeiro.

Por outro lado, a UnP decidiu indeferir minha matrícula por não ter efetuado o pagamento da mesma no prazo. Infelizmente, eu tinha coisas mais urgentes a fazer naquele momento, mas deixa pra lá - se não der certo a minha última cartada, pelo menos vou ter um semestre livre de estudos para essa multitude de concursos públicos que pipocam na recente esperança nacional feito queimadura de segundo grau na pele de alemão de férias em Mossoró. Sinceramente? Dane-se. Eu não queria mesmo estudar este semestre naquela merda mesmo.

PUTA QUE O PARIU! ELES INDEFERIRAM MINHA MATRÍCULA!!!

Pronto, pronto, passou...

Mas voltando à vaca fria (expressão que nunca entendi e sempre usei): o tempo livre me permite exercitar as minhas humildes e nada apreciadas habilidades de torturar os colegas de humanidade com chistes caóticos, piadas incompreendidas e outros recursos literários que apenas os grandes mestres da literatura de cinco gerações no futuro serão capazes de compreender e apreciar.

Sinceramente? Eu estava sentindo falta.

30.5.05

O fim de uma era

Pois é, eu acabei indo assistir Vingança dos Sith e consegui não me decepcionar. O filme fecha direitinho a saga, com inúmeros ganchos para o Episódio IV e com uma boa dose de drama épico e ação desenfreada. a minha opinião geral é a de que George Lucas deveria ter pulado os episódios I e II e gastado toda a grana em um Episódio III de quatro horas de duração, contando toda a história de uma vez só.

Pelo menos não daria tempo de ver o Jar-Jar Binks por mais de dois minutos.

Brazihlia Versão 1.5 já está solta no mundo. Mandei via e-mail pro Wag, mas por algum motivo desconhecido da internet, o troço voltou com uma mensagem do E-Mailer Daemon dizendo que não deu pra entregar. Maravilha. Vou ver se coloco pra download em algum canto. Ou algum de vocês bem que poderia tentar enviar pro cara, né?

Ainda no RPG, estou também preparando um segundo (e até mesmo um terceiro, mas é beeem mais pra frente) jogo para os dias onde tivermos um quorum menor, ou sem um lugar muito adequado. É uma campanha de FC no sistema TWERPS - algo como um cruzamento de Star Trek com Mochileiro das Galáxias e uma grande incluência de Schlock Mercenary na temática.

Schlock Mercenary é uma webstrip sobre as aventuras e desventuras de um grupo de mercenários freelance no futuro distante. Com várias referências de FC, tanto em literatura quanto em cinema, quadrinhos e sabe deus mais o quê, é uma das minhas diversões favoritas quando não tenho nada pra fazer no Procon (o que, infelizmente, não é sempre. Aliás, quase nunca.).

Ultimamente tenho andado mais ocupado que assessor de ministro da fazenda em época de campanha presidencial. Entre o final do semestre (com inúmeros projetos práticos nas disciplinas de RadioJornalismo, Editoração Jornalística e Novas Tecnologias) e a criação de um website para o Procon (além de aplicativos web para os setores do atendimento, pesquisa e recursos humanos), não sobra muito tempo pra outras atividades mais elaboradas.

Mas espero poder atualizar o blog com mais frequência, já que meu tempo está começando a ficar - mesmo que ligeiramente - melhor organizado (ou pelo menos eu gosto de pensar assim).

Por último, se algum cristão de banda larga conseguir descolar pelos peer to peer da vida alguns módulos de Twerps (como Superdudes, Robopunk, Space Cadets e Rocket Rangers), eu ficarei extremamente agradecido, e posso dispensar até mesmo um "muito obrigado".

Até a próxima.

13.5.05

Brazihlia v1.2

É isso mesmo. Acabei de atualizar o guia de personagem (podem pensar nele como um Player´s Guide) com o mapa - ainda meia-boca, mas vai servir por enquanto. Manderei para vocês provavelmente nesta sexta (ou hoje, se tiver saco).

Só para esclarecer, o equivalente do Dungeon Master Guide é algo que está dentro da minha cabeça (e que só sai em forma de notas).

Não é grande coisa (o mapa, eu quero dizer). Feito totalmente no Adobe Illustrator, com alguma ajuda - em termos de idéias - do Campaign Cartographer 2 (que eu instalei, mas ainda não consigo usar direito). Mas está tudo ali. A divisão dos reinos, as cidades-estado, as principais urbes e acidentes geográficos, rios e outras cositas más. Depois eu melhoro o troço.

Tem também a correção do nome do reino de Norte-Mar (chamado durante a produção de Sertânia) entre outras coisinhas menores.

Aproveitem.

11.5.05

Quatro posts e um comentário

Na verdade, nem isso.

Entre trabalho, universidade, RPG e sonhar em o que fazer com o (pouco) tempo livre, eu acabei deixando o blog meio que de lado. Mas não há muito o que fazer. Já aceitei que ele vai passar por períodos assim: com uma avalanche de posts seguida de eternas semanas de silêncio.

Os únicos prejudicados são vocês, fiéis leitores (hahahahaha), que serão privados do extremo prazer de minha fina prosa (hahahahaha3). Mas com o final do semestre tornando-se cada vez mais próximo junto à possibilidade de noites livres, eu creio que a produção literária/jornalística/baboseira em geral deve melhorar de qualidade e quantidade (hahahahahan).

De qualquer maneira, por hoje é só. Tive uma semana cheia preparando um programa de rádio na faculdade com meu grupo (ficamos no estúdio até as 06:00h), participei de um (ligeiro) acidente dirigindo um veículo ALUGADO pela prefeitura (que eu dirigia, com meu CHEFE ao lado) e vamos começar uma nova campanha - pois Shadowrun, apesar de ser extremamente prazeiroso, estava me consumindo mais tempo do que eu gostaria (ou tinha).

A nova campanha deve tomar bem menos tempo (um ambiente caseiro com as regras mais simples e eficientes da face da terra depois do TWERPS), e resgatar aquele velho prazer do hack-and-slash com uma tônica político-filosófico (pretensamente) profunda.

E como eu já disse antes, por hoje é só.

Eu disse, não disse?

2.4.05

Entresafra

Enquanto o resto dos contos de Shadowrun não sai (já tem mais dois ou três textos na agulha), eu queria só esclarecer umas coisinhas:

 

  • Não, Henrique, as duas irmãs mais velhas de Chow Yun Fat vistas em Somewhere I Belong NÃO são a Aadi e a Summer;
  • O ork do primeiro conto (Juan) é o mesmo que vocês encontraram durante a última missão - sendo que ali conta um pouco da história dele que vocês já conhecem. Três anos após os eventos do texto, ele desaparece (e presume-se que ele morreu). Dois anos depois os Chillers Thrillers formam-se de novo (alguém deve ter escapado) e voltam a aterrorizar a favela de Puyallup (sim, este é o nome certo) até que vocês chegaram;
  • O segundo texto, Blaze of Glory (música do Bon Jovi, se não me engano), retrata OUTRO personagem. NÃO é o Juan. NÃO é ninguém que vocês conhecem;
  • A Thatiane tem um blog da Summer. Acho que o endereço está certo;
  • Sim, mais textos virão. Espero que a maldição dos contos interruptos não venha desta vez.

 

E por enquanto é só.

1.4.05

Shadows of Redemption
(Series 2 :: The Professional)

Pra quem ainda não notou: no texto anterior, Somewhere I Belong, foram feitas algumas modificações (pequenas) após a postagem. Especialmente no final e em alguns trechos do começo, além de correções ortográficas menores. Além disso, se alguém ainda não sacou, os títulos dos contos são de músicas populares norte-americanas. O primeiro conto foi feito ao som do Meteora, do Linkin´ Park. Esse aqui... vocês saberão no próximo.

Só espero manter o ritmo...

Blaze of Glory

"Eu não miro com minha mão.
Aquele que mira com sua mão esqueceu a face de seu pai.

Eu miro com meu olho.

Eu não atiro com minha mão.
Aquele que atira com sua mão esqueceu a face de seu pai.

Eu atiro com minha mente.

Eu não mato com minha mão.
Aquele que mata com sua mão esqueceu a face de seu pai.

Eu mato com meu coração."


- A Litania do Pistoleiro, Stephen King.

Eu digo e repito: nunca mire na cabeça. Mirar na cabeça só vai resultar em uma bala perdida (se você não tiver a mão firme ou um bom compensador de recuo) ou em um cadáver. E a guarda do Metroplexo não paga por cadáveres, a menos que eles sejam classificados como integrantes dos cem mais procurados pelas agências policiais da UNECAN ou dos EACON. Contudo, os EACON têm o hábito de fazer vista grossa se o prisioneiro ainda estiver vivo - mesmo se for por pouco tempo.

Assim, a maior parte dos meus serviços vai para os EACON. É simples, na verdade.

Eu deveria dizer que o trabalho em si não é simples, ou o seu aprendizado. Na verdade, a única coisa fácil são os seus horários, a liberdade de escolher seu equipamento (caçadores de recompensa licenciados têm acesso à maior parte do instrumental policial padrão - sim, mesmo Lone Star) e de definir quais tarefas serão executadas, e em que ordem.

Todo o resto é difícil, muito difícil, e eu não recomendaria este trabalho para ninguém, a menos que você goste de passar a maior parte do seu tempo em uma dieta de bagana e café gelado. Se você tem algum vício pessoal (eu estou tentando largar os cigarros, são péssimos para a visão noturna), eu também aconselharia a largá-lo ou procurar outra atividade.

Não há nenhum treinamento institucionalizado para a atividade, e se houvesse, eu não sei se seria capaz de apontar uma boa escola. Caçar gente na rua só se aprende na rua. Ponto final.

 

— Comece com a dieta. O que você come?

— Bem... Eu estou fazendo uma dieta, sabe?

— Para o quê?

— Pra quê? Bom, pra emagrecer. Eu sei que sou gordo, e isso é ruim nessa profis — Ai! — O que eu disse de errado?

— Primeiro, que queria emagrecer. Depois, que caçar era uma "profissão".

Eu fiquei esperando um segundo ou dois antes de abrir a boca de novo. Não queria levar um outro tapa daqueles. Como não veio, eu perguntei, desta vez já preparado:

— E o que é, então?

Ele coçou a cabeça, impaciente. Tinha a cara de quem tenta explicar alguma coisa muito simples para um retardado, e a explicação mais simples não foi o bastante. Na verdade, eu levei muito tempo pra entender essas coisas pelo rosto dele. Kane não é o que se pode chamar de expressivo. Kane, não "sensei" ou "mestre". Chamar ele de "mestre" ou "sensei" garante que você vai levar uma surra ao invés de um tapa na cabeça.

E os tapas já são ruins o bastante. Achei que ia ter um derrame ou coisa parecida depois da primeira semana.

— O que acontece quando você vê um cara gordo na sua frente? Querendo confusão?

— Bom, se ele for alto...

— Não. Só um cara gordo, do seu tamanho, do seu peso.

Pensei um instante em como eu pareço no espelho. Não é grande coisa. Tenho um metro e setenta e coisa de uns cento e vinte, centro e trinta quilos. Uso o cabelo comprido preso num rabo-de-cavalo (não é tão comprido assim) e cavanhaque. O tipo de cara que você para pra rir quando encontra na rua.

— Eu acho graça... Não acho?

Foi a primeira vez que vi a coisa mais próxima de um sorriso aparecer no rosto dele.

— Sim. É isso que todo mundo acha. Um cara gordo e pequeno é só para fazer rir.

Eu acho que devo ter mudado de expressão de uma forma muito drástica, porque um instante seguinte, ele disse:

— Esta é a primeira coisa que você aprende comigo. E é a mais importante para você. Não porque é a primeira, mas porque é sobre você.

— Porque eu sou gordo?

— E ninguém vai achar que você é capaz de alguma coisa. Ninguém vai levar você a sério. O que acontece quando ninguém acha que você é uma ameaça?

— Todo mundo vai baixar a guarda perto de mim. — era tão simples.

— E essa é a segunda coisa que você aprende comigo: um inimigo de guarda baixa é um inimigo pela metade.

Eu assenti e quase disse "sim, sensei". Mas a cabeça já doía o bastante, então eu achei que na verdade, tinha aprendido três coisas naquele dia.

 

E às vezes nem compensa tanto. Veja só o meu caso. Tinha este cara que devia mais de trezentos mil nuyens em golpes de credstick em variadas transações dentro de bancos e lojas de conveniência. Pura esperteza, nunca usou uma arma, só crédito falso e empréstimos em contas fantasmas. Claro, ele não deve agir sozinho. Pode ser uma quadrilha, ou só ele e um tecnauta experiente que prepara o terreno.

Você começa daí. A recompensa não é muita coisa, mas o banco pode se mostrar agradecido e abrir uma linha de crédito pra você, e quando sua maior despesa são custos de manutenção com armas, munição e equipamento de vigilância, uma linha de crédito nunca é demais. Então você passa uma semana chacoalhando seus contatos, outra semana perguntando nos vizinhos para confirmar o endereço (o truque é nunca dar a impressão que você quer achar o alvo: diga que é o funcionário de uma firma legal que tem que fazer um pagamento a ele, e que você está aliviado por não encontrá-lo; o dinheiro acabará ficando com a firma).

Aí é que você começa a trabalhar de verdade.

Não foi difícil arrumar um lugar perto do apartamento dele. O alvo é esperto e mora em um apartamento de classe média, num condoplexo discreto e sem muitos luxos. Nem aparenta ter todo aquele dinheiro em notas de crédito e credsticks avulsos legalizados através de sabe deus quantas lavagens de dinheiro. Você monta o equipamento de escuta, as câmeras, e espera, com sorte, mais uma semana.

Um mês depois, você já sabe que ele realmente tem um tecnauta trabalhando pra ele(anão, por sinal. Deve haver um clichê maior, mas esta realmente não é minha profissão), que eles se encontram duas vezes por dia, no apartamento, e que o alvo tem uma namorada que deve ter custado algum dinheiro. Algumas vezes esta atividade vale a pena.

Aí é hora de fazer a prisão.

Isso quer dizer que você pega uma arma leve, carrega com munição não-letal, leva um taser extra só por precaução e se achar que vai ter problemas, uma arma extra. Duas granadas de ofuscamento, blindagem leve e pronto: você já pode chutar a porta, dar voz de prisão e ir até a representação dos EACON mais próxima pegar o dinheiro.

Simples, certo? Errado.

 

— Como você mata alguém?

Kane às vezes faz essas perguntas que parecem idiotas na primeira vez que se ouve, mas que depois de três ou quatro tapas, tornam-se verdades sábias, gravadas a fogo no fundo da sua alma. Geralmente ele espera até que você esteja fazendo algo que precisa de muita concentração e força, como disparar um fuzil de assalto em modo automático e conseguir que todas as balas caibam num círculo de dois centímetros e meio no centro do alvo.

— Com uma arma?

Ele virou a cabeça de lado, como se considerasse a pergunta.

— E o que é uma arma?

— O que eu estou segurando?

Dizer que os tapas vêm sem aviso é enunciar o óbvio. Ele estava a dois metros de mim, mas no instante seguinte, estava no local onde eu me encontrava de pé, segurando meu rifle descarregado enquanto eu rolava na poeira, a quatro metros dali.

— Errado. Você é a arma. Estas coisas grandes e desajeitadas que cospem pedacinhos de chumbo são apenas ferramentas. Não são nem mesmo extensões de você. Só servem para encurtar a distância até seu alvo, enquanto você for um aprendiz.

Claro, claro. Eu deveria saber disso. Ele me massacra há semanas, mesmo eu sendo capaz de cortar qualquer outra pessoa ao meio com uma arma automática. Um aprendiz.

— Quando você for um profissional, lembre-se de que estas coisas têm uma função muito simples, que é inferior à que você possui.

E com um movimento que eu não posso estar certo de ter visto por inteiro, ele recarregou o M-23 e disparou com displicência, a arma firme na altura do peito, quase não olhando para o alvo e usando uma só mão. Todas as balas passram pelo mesmo buraco, em menos de três segundos.

Um aprendiz.

 

A essa altura, você já conhece as rotinas principais de todo o prédio, e pode passar pelos corredores e subir no elevador sem ninguém te ver. A segurança desses lugares de classe média é pequena: nada de vigias, apenas umas câmeras baratas e um botão de AtivaAlerta da Lone Star em cada apartamento. O mais importante é que você não chuta a porta. você coloca uma poucas gramas de explosivo plástico nas dobradiças e na fechadura. Detone, e jogue uma granada de clarão pra dentro do apartamento logo em seguida.

O resto deveria ser simples.

Mas eu não contava que o tecnauta tivesse duas berettas 101T com munição explosiva e a namorada, mais implantes de combate que o go-ganguer médio. O alvo ficou gemendo no chão, com a mão nos olhos, atordoado, cego e molhando as calças, enquanto eu começava meu aviso de prisão.

Quatro tiros mal dados abriram buracos na parede acima e à esquerda da minha cabeça. Duas armas em cada mão é um pouco demais, mesmo para mim. Não é de espantar que o tecnauta tenha errado. Agora, a namorada é outra conversa. Ela esticou o braço para mim, mostrando a palma da mão com os dedos bem abertos, sem mostrar nenhum sinal de estar ofuscada. Eu sabia que o anão contava com uma visão termográfica residual, mas ela deveria ter algum tipo de compensação ótica. Enquanto eu perdia tempo pensando nisso, um trem de carga de doze vírgula cinco milímetros me atropelou e quase que a noite acaba ali mesmo.

 

— E se as coisas derem errado durante uma caçada?

— Nada dá errado. Você pode fazer elas darem errado.

Mantive minha expressão idiota de quem não tinha entendido nada. Era bem melhor do que dizer algo errado e ganhar mais um hematoma na cabeça.

— Quando você não planeja, quando você acha que sabe o bastante sobre o alvo. Aí você faz as coisas darem errado.

— E aí? O que se faz?

— Você morre.

Engoli em seco. Não gostava de pensar nesse tipo de resultado.

— Mas você é um aprendiz. Aprendizes costumam ter sorte, no começo.

— E os profissionais? Se não têm sorte, têm o quê?

Quando levantei meu corpo dolorido do chão e me dei conta de que desta vez, o nariz tinha sido definitivamente quebrado, ele me disse:

— Profissionais não precisam de sorte.

Tirei a mão do nariz, coberta de sangue. Naquele momento, ele me pareceu a coisa mais próxima da morte que eu já tinha conhecido. Kane suspirou.

— Eles têm coisa melhor.

 

Encostei o corpo no que restou da porta, ainda presa por uma dobradiça à moldura e disparei com a arma na mão esquerda em direção ao tecnauta. Ele não era o alvo mais importante, mas com duas armas atirando ao mesmo tempo, uma hora ele ia acertar alguma coisa, mesmo que levasse a noite toda.

Obviamente, eu não tinha a noite toda.

Foi por isso que trouxe as minhas Berettas 200ST. Uma delas ia para o chão, porque com a mão direita eu sacava o taser. Mas a da esquerda colocou seis cartuchos de gel no esterno do tecnauta. Quase pude ouvir o osso partindo enquanto ele caía desacordado e muito provavelmente precisando de assistência médica. Mas eu tinha outras coisas para me preocupar. A namorada do alvo, por exemplo. Como eu imaginava, a arma espingarda no braço só tinha um cartucho. Um recurso defensivo comum em quem tinha membros bioeletrônicos como necessidade profissional.

Infelizmente, não era só o que ela tinha.

As lâminas salram debaixo das unhas, todas as dez. Cromadas e brilhando sob a luz indireta da pequena sala, elas descreveram um movimento duplo fechado sobre meu braço esquerdo, que teria sido cortado fora na altura do cotovelo, se não fosse pela armadura anatômica. Lembrem-se bem disso: proteção corporal nunca é demais. Mesmo assim, aquele braço já era, pelo menos até eu poder costurar os tendões de volta no lugar.

 

— O que eu faço com a dor?

— Ignore.

— Falar é fácil...

Arregalei os olhos, não acreditando que tinha dito aquilo em voz alta. Mas tinha sido um dia difícil, e Kane parecia estar particularmente mal-humorado. Trinquei os dentes e relaxei o corpo, esperando pelo tapa, mas ele não veio. O que havia de errado? Ele olhava para mim como se fosse pela primeira vez.

— É verdade. Falar é fácil. Mas a dor pode ser ignorada, embora você não deva se acostumar com isso. A dor não deve ser esquecida. Ela também é sua aliada. A dor lhe ensina.

Bem, isso era verdade. Kane me dava muitas lições todo o dia, e a maior parte envolvia o quesito dor.

— Então eu não devo ignorá-la?

— Não. Você deve abraçá-la. A dor é sua amiga. Ela lhe lembra de que você está vivo.

 

É aqui que se diferencia o novato do veterano: você tem garras de carbono, um braço bioeletrônico, uma arma implantada, reflexos ampliados e olhos bioeletrônicos com amplificação luminosa e compensadores de ofuscação. Um gordo de sobretudo com rabo-de-cavalo e cavanhaque chega na sua frente gritando ordens, e ele não apenas perde uma arma, mas deixa a outra cair, logo antes de você transformar o braço dele em espaguete. O que você faz? O que todo mundo faz.

Ela riu. Riu e avançou para terminar o serviço.

No tempo em que levou para rir, eu saquei a Defiance Super Shock — modelo padrão, modificado para usar dardos capacitores —, destravei, regulei para carga máxima e disparo completo. Ela recebeu os quatro dardos no pescoço de uma vez só.

Cada dardo tem uma carga nominal de cinquenta mil volts. Não é letal, geralmente. Mas ela recebeu quatro. Faça as contas.

Seus bioeletrônicos fritaram antes do cérebro, o que permitiu um grito curto e um passo para frente, de forma a poder morrer tranquilamente aos meus pés.

Olhei ao redor. Dez segundos haviam se passado. A namorada guarda-costas estava morta, o tecnauta respirava com dificuldade pela boca, através de uma barba de espuma avermelhada e o alvo estava morto, com dois buracos fumegantes nas costas.

Como eu disse, uma hora ele ia acabar acertando.

Antes que as sirenes chegassem, eu já estava no térreo, com a chuva começando a cair com uma irritante disposição para terminar o que poderia ter sido uma boa noite de trabalho. O que tinha dado de errado? Passei as horas seguintes costurando o braço e empacotando o equipamento. Do outro lado da rua, o bloco do alvo fervilhava de testemunhas, policiais e mídia. E eu não sabia quem era pior.

 

As coisas estavam diferentes naquele dia. Kane estava sentado na mesa — inacreditavelmente vazia —, sem sua habitual carga de diferentes armas, munições e kits de limpeza e lubrificação. Não haviam alvos no estande de tiro. O lugar nem mesmo cheirava do mesmo jeito.

— Qual é seu maior medo?

Aquilo era meu maior medo. Quando ele me ensinava algo novo, que eu nem tinha idéia do que seria.

— Da morte?

— Você já está morto, menino. Desde que nasceu. Foi a primeira coisa que aprendeu, quando eu te encontrei. Você aceita isso, ou desiste. O que mais?

Morrer não era. Sofrer? Não, dor também não. Do que eu tinha medo? Foi simples descobrir: bastou olhar para a mesa vazia de armas, das coisas que eu conhecia intimamente e nas quais confiava minha vida e minha recém-descoberta arte. Ele acenou com a cabeça, confirmando meu pensamento.

— Hoje você vai aprender que tudo isso é besteira, que tudo isso que eu venho lhe ensinando só serve como peso de papel quando está sem munição. Mas o que é que nunca fica sem munição?

Eu olhei para minhas mãos desarmadas, tentando entender. Fiquei ali um longo tempo, imaginando que tipo de arma não ficava sem munição. Só quando deixei de olhar para o que não estava nas mãos foi que entendi. Fechei os punhos com firmeza até que os nós dos dedos ficassem brancos e olhei de volta para ele.

— Bom. Vamos começar. Mas não se preocupe: eu trouxe algo pra você.

E saiu da mesa, mostrando a caixa de primeiros socorros que ocultava com o corpo.

Acho que ficamos ali por três dias, não sei bem. Depois de um tempo não fez mais sentido. O soco começou sendo só um soco, depois deixou de ser só um soco e finalmente voltou a ser só um soco. Eu não sei. A única coisa que ele me disse foi para bater com força, bater no lugar certo e para bater sempre primeiro.

E também fez questão de não parar até que eu tivesse conseguido quebrar seu nariz.

 

Eram três me esperando no apartamento, apesar de todos os alarmes e todas as precauções. Apesar dos sensores de infravermelho na porta e nas janelas e apesar dos explosivos acionados por pressão embaixo do carpete de entrada.

Eu realmente odeio ninjas.

Mas quando você mata uma guarda-costas oriental de um estelionatário em ascensão, o que mais você pode esperar senão a yakuza? Pelo menos eles eram profissionais também. Não é tão ruim morrer quando há profissionais cuidando de você. Não é vergonhoso nem desonroso. É apenas ridículo.

O primeiro saltou sobre mim da escuridão da sala, brandindo uma droga de uma espada samurai. Aposto que estava coberta de dikote, pela reflexo e pelo som enquanto cortava o ar em direção à minha cabeça. Ele não era o problema. Em algum lugar da sala, seus dois companheiros esperavam que eu me concentrasse nele para descarregarem duas espingardas de assalto na minha direção. Quem sabe até com munição perfurante, ou se eu estivesse realmente com sorte, flechette.

Eu sabia que o imbecil da espada deveria estar blindado da cabeça aos pés, com aquele capuz colante mostrando só os olhos. Então, atirei nos olhos.

Olhos são um alvo fácil, brancos e brilhantes, refletindo de volta toda a luz ambiente quando olham para você. O resto do pente da minha 200ST foi para ele. À queima-roupa e através de tecido macio, até mesmo projéteis de gel não-letal fazem um bocado de estrago. Atravessam a órbita do crânio e esmagam os ossos frágeis acima da cavidade nasal, enviando uma chuva de fragmentos para o cérebro.

O truque é pular no chão enquanto faz isso, com a arma em modo de rajada e um braço inutilizado.

Eu rolo para o lado do capanga número dois — fácil de identificar pelo desodorante barato e ineficiente —, ouvindo as espingardas pulverizarem o local onde eu estava meio segundo antes. Centro e trinta quilos de corpo humano são uma coisa impressionante quando acertam nas pernas de alguém. Fazem ela literalmente subir no ar. No escuro, com a adrenalina jorrando de todos os poros, com seus implantes oculares ofuscados por disparos contínuos de espingardas, o capanga número três fêz o melhor que pôde e descarregou o resto de seu pente — eu contei os tiros de cada um deles — no seu colega, que me cobriu de sangue e estofamento do sofá.

Deviam estar usando espingardas CMDT sem neuroconexão, ou ele não teria pressionado convulsivamente o gatilho por dois segundos inteiros após a munição ter acabado. Agora, existe uma coisa importante a se saber sobre mim. Eu sou gordo, uso um rabo-de-cavalo e cavanhaque. As pessoas tendem a confundir isso com estar fora de forma. Não é o caso. Boa parte dos meus centro e trinta quilos é composta de musculatura sólida, que eu cubro com gordura cuidadosamente cultivada por idas frequentes a restaurantes de comida italiana e africana. É fantástico o que o amido pode fazer por você. FAz parecer que você é apenas mais um gordo lento e desajeitado, outro alvo fácil. Faz você parar para rir.

No primeiro segundo, eu estava de pé, e no seguinte, esmurrando seu pescoço exposto com o punho fechado, colocando o meu peso e a velocidade do deslocamento por trás de tudo. Isso é outra coisa que eu aprendi: artes marciais são besteira. Você só precisa saber onde bater, com força e com precisão. Todo o resto é inútil.

Ele esguichou alguma coisa bela boca dentro de sua máscara e caiu. Talvez com o pescoço quebrado. Eu não sei. Mas quando eu bato desse jeito, ninguém levanta. Pode ser ork ou troll. Não levanta mais.

Eles não eram nem uma coisa nem outra.

Juntei o que cabia no carro e saí sem fechar a porta.

 

Aquele dia foi diferente dos outros, porque foi quando eu aprendi o que ele tinha de melhor para me ensinar.

— Hoje é sua última aula.

Por um instante, eu achei que íamos ter um daqueles duelos mortais entre aluno e mestre. Com o sobrevivente do que só poderia ser um combate até a morte conhecendo seu destino definitivo ou procurando outro aluno, dependendo do vencedor.

Tudo bem. Já não levava tapas há semanas, fosse por não perguntar coisas estúpidas, fosse por ter ficado mais rápido.

— A partir de hoje você fica por sua própria conta. A partir de hoje, o mundo lhe ensina. Aprenda bem.

— Qual... qual é a diferença?

— A diferença é que quando você erra comigo, você leva um tapa na cabeça e se levanta pra entender onde errou. Com o mundo, você não levanta mais. Aprenda bem. Eu fui muito displicente com você, mas você aprende rápido. Continue assim. Continue vivo.

E jogou algo para mim.

Identifiquei o que era antes de ver o brilho da prata nos detalhes bem-cuidados, nas gravações feitas no corpo de titânio calibre quarenta e cinco. Couro de verdade com enfeites simples em filigranas e baixos-relevos quase indígenas. Sete tiros cada.

— Seis para seus inimigos. O último para o inimigo do mundo. Aprenda.

— Quem é o inimigo do mundo?

Mas ele não estava mais ali. Sozinho no grande galpão repleto de armas, munição e alvos. O cheiro de pólvora e propelente sólido parecia um perfume que eu sentia pela primeira vez, o último indício da presença de Kane. Lembro de ter querido chorar como um garoto que perde os pais. Mas eu nunca tinha conhecido meus pais e nunca achei importante sentir saudade do nunca tive. Só senti falta daquele maldito velho intratável como se fosse o resto de humanidade que me impedia de sair matando quem eu encontrasse na rua até que a munição ou a sorte acabassem. O que viesse primeiro.

Mas não fiz nada disso.

Prendi o cinturão de couro e ajustei as tiras de suporte nas coxas, mantendo os coldres baixos, na altura ideal para sacar. As armas não tinham neuroconexão — nem eu tampouco —, mas tinham o peso e o equilíbrio que você espera na espada do anjo da morte, forjada no inferno e temperada no sangue da besta do apocalipse. Coloquei doze tiros de cada um em único buraco no centro do alvo.

A sétima bala eu guardei.

Naquele dia, eu aprendi a coisa mais importante: que só ia morrer quando fosse velho ou idiota demais, ou ambos. Mas como eu não era mais idiota, e iria demorar a ficar velho, decidi viver da única maneira que tinha conhecido.

 

Tenho um outro apartamento, agora. E acho que outra vida também. Adeus EACON e Lone Star. Adeus dinheiro fácil e legalizado. Pelo menos parei de fumar. Cigarro é muito mais caro quando você não pode ir numa loja de conveniência sem ver sua cara estampada em 3-D no Confederated American States: Most Wanted logo após o noticiário. Tenho amigos novos, também. Deixe-me colocar de maneira melhor: eu tenho amigos também. Todos eles sofrem do mesmo problema de má publicidade, e todos fazem trabalhos contra os gigantes, contra os inimigos do mundo. Alguns eu reconheço do trídeo. Outros — os mais dedicados, os verdadeiros profissionais — eu nunca vi em lugar algum. Eu aprendo com eles. Aprendo com o mundo.

Tenho menos equipamento pra me preocupar. Só o que tenho é o que posso carregar nos coldres. E hoje, é só o que eu preciso. Sete tiros em cada, com direito a duas recargas. Nunca se sabe o que você pode encontrar nas ruas.

Está tudo bem.

Como Kane disse, eu não tenho uma profissão. E agora eu sei: eu tenho um destino.

 

30.3.05

Shadows of Redemption
(Series 1 :: Avenger Journal)

Isso aqui me veio na cabeça hoje de noite. Não é algo habitual. Talvez sirva pra ilustrar melhor o jogo, ou talvez sirva pra tirar essa idéia fixa dessa estória que eu tenho desde que sonhei com ela (já faz algum tempo). Preferi não fazer muita correção - vai desse jeito mesmo. Fico esperando ver o que vocês acham.

Só pra variar...

 

Somewhere I Belong

No beco escuro
explode a violência
eu tava preparado


- Paralamas do Sucesso

Para mim é como se ela sempre estivesse lá. No bar.

Quando ela entrou pela primeira vez, eu estava enchendo a cara com a galera. Como sempre. Bebendo cerveja barata, aquela porcaria feita de soja, que parece que eles tentam disfarçar o gosto com mijo de cachorro, mas não dá. O gosto de soja sempre aparece no final, pior que mijo de cahorro.

Tudo hoje tem gosto de soja.

Mas eu tô mudando de assunto. Eu faço isso o tempo todo, a galera fica zonada, eu mudando de assunto feito um daqueles xamãs de rua travados na pôrra do totem deles ou sei lá o quê. Falando merda sem sentido e aí quando você menos espera, bum! O cara do lado dele reclamando sem parar do jogo dos Sonics ganha um buraco novo na cara, aberto de dentro pra fora.

Lá vou eu de novo.

Tavam tocando here she comes again, aquela merda do Concrete Dreams que todo mundo acha uma maravilha, mas que eu acho que é só mais um mela-mela depressivo em loop infinito.

Mas naquela noite, quando ela entrou no bar, eu achei que era a música mais bonita da minha vida.

Porque ela entrou e olhou direto pra mim, como se não tivesse mais ninguém no bar aquela hora, e eu fosse a única alternativa a olhar pra cadeiras e mesas, sabe? Mas não foi como se ela ficasse com raiva por só ter a minha fuça pra olha. Não. Foi como se ela ficasse aliviada, sei lá.

Faz graça, só de pensar - eu valer a pena uma segunda olhada. Ou uma primeira, se você pensar direito. Quer dizer, eu sou ork, cara. Quinze anos, adulto, todo feito. Bela merda, se você pensar direito. Não sou tão grande como o resto, nem forte do mesmo jeito.

Quer dizer... tá, eu sou forte, mais forte que a maior parte dos caras que não são ork nem troll. Mas não sou como o leão de chácara do bar. Aquele cara você olha duas, três vezes, ou pelos menos até ele te olhar feio. Dois metros e sei lá mais o que de altura, e quase o mesmo de altura. cem quilos? Pelo menos. Só músculo, o cara. Tem aquele jeitão calado de milico, de meganha, saca? Perigoso.

Não é como eu. Eu sou igual a todo mundo, se todo mundo fosse ork. Mas não importa. Ela olhou pra mim mesmo assim.

Entrando no bar como se não fosse o lugar mais perigoso do pedaço, caminhando naquele passo tranquilo de quem entra em casa e tranca a porta reforçada e vê que tá tudo no lugar, o alarme tá inteiro e não tem nada faltando. Segurança, sabe? Ela tinha essa coisa. Como se ninguém nem nada ali pudesse fazer mal pra ela. Andava meio dançando, sei lá, meio no passo de uma música que não era a que estava tocando, mas mesmo assim, música.

Dançando uma coisa que só ela ouvia sem parar dentro da cabeça dela, e dançando o tempo todo, cada passo. Eu nunca tinha visto nada tão bonito na minha vida, nem em sensorama, nem no mundo. Nada como ela.

O que eu tou tentando dizer é que ela não era bonita como gente, como um ser humano - nem como elfo (os cabelos ruivos e dourados por cima do couro negro cheio de cromo e bottons de neon baratos), se você tá achando isso. Ela não era como a gente. Era melhor, muito melhor. Do jeito que eu achava que todo mundo devia ser quando eu era garoto, quando eu tinha um pai.

E isso não faz muito tempo.

Ela continuou andando na minha direção, e eu como um idiota, fiz o mesmo, ouvindo a galera na mesa reclamar, perguntando pra onde eu ia assim de repente, no meio de uma frase, e só pensando "ah, deuses, por favor, não façam eu parecer um idiota, só desta vez, por favor."

Eu fiz papel de idiota, claro, mas ela não se importou.

Ela riu e conversamos a noite inteira sentados no balcão, ela derrubando um copo atrás do outro e nunca parecendo ficar chapada, um sorriso atrás do outro e um copo atrás do outro. Eu não aguentei tanto.

Só sei que acordei no meu muquifo no meio da tarde seguinte, com uma dor de cabeça que devia ter me matado, que com certeza devia ter matado qualquer um - até o cara que fica na porta do bar -, nú, suado e com o corpo dolorido: braços e pernas e abdômem e tudo o mais que tem músculo e cansa e não quebra mas cansa.

Fiquei um instante estendido no colchão, olhando para o teto coberto de teias de aranha, rachaduras e aqueles tubos fluorescentes presos pelos fios que um dia vão despencar e cortar meu pescoço e eu vou morrer sem nem acordar. Fiquei pensando que não lembrava nada depois de uma certa dose, que deveria ter chegado em casa como todas as noites, no piloto automático, bêbado e vomitando e com hematomas que eu não lembro onde consegui.

Mas eu não tinha nada dessa vez, nem sangrava do nariz e da boca e dos ouvidos. Só o corpo cansado, nú e suado e aquele cheiro que flutuava acima do suor rançoso de álcool e beta-anfetaminas. Aquele cheiro que não era de flores, mas que poderia muito bem ser.

Aquele cheiro dela.

Eu ouço um som da sala (uma piada - tudo o que faz do único cômodo ser sala ou cozinha ou banhairo é uma divisória de macroplástico roído e coberto de spray), que não é movimento nem passos. Podia ser o gato, se eu tivesse gato, ou se gatos cheirassem como as flores de marte.

Ela senta no colchão ao meu lado, sua nudez limpa, sem tatuagens nem cicatrizes nem nada e sorri enquanto passa a mão no meu cabelo desgrenhado de um jeito que nem minha mãe faria (se eu tivesse uma mãe).

É quando a coisa toda vem, de uma vez, só, a noite toda de uma vez só, e por um instante é intenso, tão extremo, que eu acho que vou estourar uma veia ou coisa parecida, mas não acontece nada - eu continuo vivo, com ela ali ao meu lado, passando a mão no meu cabelo com um sorriso tão bonito que não pode ser implante.

Ela abaixa a cabeça e me beija na testa, e toda aquela sensação parece que piora, até eu entender que não é dor, que não é medo.

Um alívio que eu nunca conheci antes quase me faz chorar, não fosse a força do hábito. E nós nos abraçamos e fazemos a noite anterior parecer um ensaio.

Minha vida começa a parecer que vai ficar boa.

E nas semanas seguintes, eu quase acredito nisso.

Tudo parece dar certo demais, enquanto ela está por perto, enquanto ela está comigo. Eu posso até esquecer que não tive uma vida antes disso que não fosse feita de brigas e trabalhos de última categoria, de finais de semanas em profunda amnésia alcóolica, de solidão e de sentir que tudo o que você tem na sua vida é engolir toda a merda que a sua vida virou e que qualquer sonho que você tenha não vale nem o tempo que você dorme para poder sonhar. Porque nada nunca vai ser do jeito que você sonha.

Mas com ela isso não importa. Porque pela primeira vez eu pertenço a alguma coisa. Eu pertenço a essa coisa que não é ela - é isso que nós dois nos tornamos, que nós dois somos juntos enquanto fazemos meu apartamento virar um lar ao invés de um pit-stop de go-gangues.

Ela traz a grana - não vou enganar ninguém, nem a mim mesmo, achando que isso tudo mudou tão rápido só porque ela entrou na minha vida. Ela tem grana. Quando eu saio pra trabalhar, eu não sei onde ela consegue o dinheiro. Joygirl? Talvez. Não quero saber.

Só quero que isso não acabe mais. Porque eu vou acabar junto.

Às vezes ela me pergunta na madrugada, quando as sirenes se cansam da vizinhança e tudo que dá pra ouvir são as pessoas do cortiço na frente varrendo os cartuchos vazios da calçada:

"Por que você vive assim?"

Eu deveria dizer que a voz dela é como música, mas não é bem asim. É como se ela estivesse acompanhando aquela melodia que parece tocar o tempo todo na cabeça, aquela coisa que a faz dançar pelo dia como uma lenta valsa - você sabe, aquelas coisas do canal de história antiga - em eterno loop.

"Você fala como se eu tivesse uma escolha", eu respondo, meio aborrecido, mas não de verdade. Não com ela.

Mas ela apenas sorri, sem mostrar os dentes, e espera eu responder de verdade. Ela quer que eu fale sobre meu pai.

Quer dizer, ele não é meu pai de verdade. Bom, ele é humano, mas não somos todos? Ele foi a primeira pessoa que olhou pra mim no esgoto onde eu cresci, nos pior buraco dos Puyallups, a primeira pessoa que olhou pra mim e não virou os olhos, com nojo ou raiva ou medo. Ele se aproximou de mim e disse "venha comigo" de um jeito que eu não tinha como dizer não, embora não fosse, definitivamente, a coisa mais esperta a se fazer.

Não era meu pai, mas foi a coisa mais parecida que eu tive.

Ele e os amigos deles. Todos eram humanos, ou quase todos. E todos eram cuidadosos comigo, como se tivessem medo dele, ou tivessem medo de algo que ele pudesse fazer se olhassem pra mim do jeito errado. Mas nenhum deles olhou pra mim de outro jeito que não fosse com um pouco de pena, talvez.

Eu aprendi muita coisa com ele, com meu pai. E com seu amigos. Mais que qualquer coisa, eu aprendi a sobreviver. Aprendi a lutar, a manter minha palavra, a defender meus amigos. Aprendi a ser um homem.

Então, um dia, eu cheguei em casa e ele não estava mais lá. A casa estava vazia, exceto por um credstick no chão, perto da porta, com mais nuienes que eu podia gastar num ano.

Sem bilhete nem nada. E eu tinha doze anos. Já era um homem. O pior dia da minha vida, descobrir que eu já era um homem.

Mas ela sabia daquilo tudo. Eu já tinha falado daquilo tudo antes, várias vezes, de várias maneiras diferentes. Eu sorri de volta.

No dia seguinte, eu acordei com uma voz diferente na casa. Foi quando eu soube que as coisas iam mudar.

Ela e uma amiga conversavam na porta, em alguma língua que eu não conhecia. Talvez chinês. A amiga dela parecia chinesa. Ou coreana. Ou tailandesa - eu não sei.

Não japonesa, não tinha aquela arrogância de quem sabe que é melhor do que você, só por ter nascido assim. Era bonita e pequena, como um brinquedo, como uma daquelas apresentadoras virtuais de SenseTV - AnimeGirl, PixeLass, uma dessas coisas com um símbolo de trademark no final. Eu não sabia como ela tinha chegado no bairro sem um rifle de assalto pendurado nas costas. Tem um mercado negro hoje em dia só pra olhos como os dela.

Ela me apresentou, sem dar nomes. A outra me fez uma reverência, baixando a cabeça quase até a cintura, como se fosse algo muito importante estar ali na minha frente. Eu tentei repetir, mas acho que meu corpo não foi feito pra esse tipo de gentileza. Ela não riu, nem torceu o rosto nem nada. Ficou apenas ali, muito séria, me encarando, como se eu fosse Jetblack voltando do túmulo ou coisa parecida.

Aí ela se despediu e foi embora.

Naquela noite nós não saímos.

Ao invés disso, ela me abraçou de um jeito como se eu fosse morrer e foi embora sem dizer nada, sem levar nada, vestida do mesmo jeito do dia em que nos conhecemos.

Eu só pude ficar parado e pensar em como a minha vida era uma merda de novo, e como aquilo só fazia tudo antes parecer muito pior, muito pior do que ficar sem sonhar, e eu nem sonhava mais antes dela. A primeira coisa que eu pensei foi em quebrar tudo, em derrubar o apartamento todo com as mãos e pés (eu não sou muito forte, eu não sou muito grande, mas eu posso fazer isso ainda assim, eu posso quebrar um apartamento inteiro do mesmo jeito que dois caras grandes com marretas).

Mas eu não fiz isso. Eu deixei o apartamento em paz e fui brutalizar todos os bares da vizinhança - em especial os que não deixavam mais eu entrar.

Eu acho que o dia já estava nascendo quando eu vi que tinha chegado - pela noite de brigas e surras e encontros com a sarjeta e uma neblina vermelha de álcool e estimulantes - no pior lugar da vizinhança. E aqui nos Puyllaps, quando a gente diz pior quer dizer muito mais que a palavra dá espaço pra pensar.

Era perfeito. A minha vida acabando daquele jeito, na mão de quem eu mais odiava sem nem saber porquê. Go-gangues do caralho. Encostei na esquina que dava de frente pra sede dos caras, um cortiço velho e acabado de primeiro andar onde eles consertavam as motos e davam festas e planejavam as merdas com o bairro todo.

Chillers Thrillers. A pior go-gangue da zona, cobrando semanalmente trinta por cento de comissão de proteção de todo mundo. Motoqueiros cromados até os ossos, com aquelas tatuagens de fantasmas polinésios cobrindo cada centímetro de pele. Viciados em BTL e tortura experimental.

Gritei pra eles algumas coisas sobre as mães deles e peixes podres, da melhor maneira que o dialeto das ruas deixa a gente falar. Mas eles não saíram pra me pegar. Estavam ocupados.

Me aproximei da porta, mais suicida que nunca, só pra ver a maior cena de carnificina que eu já tinha visto, em trídeo, sensorama ou na vida real. O cortiço parecia que balançava na minha vista inflamada de cansaço e de dor, tremendo com o clarão de armas silenciadas que cortavam aquela escuridão traiçoeira da madrugada com munição traçante a mil e quinhentos tiros por minuto.

Alguém estava matando os caras do mesmo jeito de quem chuta um cachorro morto: com força e sem remorso.

Fiquei sóbrio de repente. Mesmo assim, eu cheguei ainda mais perto. Sobrevivência tinha deixado de fazer parte do meu dicionário desde o começo da noite. Pela porta derrubada, eu podia ver o grande vão do térreo, coberto de corpos - talvez metade da gangue, talvez mais - entre montes de lixo e peças de motos depenadas. Cartuchos caíam no chão, chovendo como estrelas de bronze, cortando uma neblina de pólvora, o ar que eles respiravam.

A chinesa (agora eu tinha certeza, ela só podia ser chinesa: crueldade é um negócio genético) saltava entre as colunas de sustentação e as paredes quebradas, com uma Ingram Neuro em cada mão, dando rajadas, e os seus bracinhos finos não tremeram nem uma vez enquanto ela cortava os caras na bala, de um em um.

Era que nem ver um daqueles trídeos velhos de samurais, o mundo passando de câmera lenta pra uns borrões que mal davam pra ver o que tava acontecendo. Coisa de dançarino, pelo jeito como ela matava. Parecia que ela tava fazendo um favor pra eles, matando com sua arte.

Caí de joelhos.

E ela estava lá.

Linda, louca e furiosa, corria pelos destroços do andar de cima, lançando corpos à sua volta, gargalhando enquanto homens com o dobro do tamanho e peso dela caíam, matando com as mãos nuas, quebrando ossos trançados de titânio e plástico com a mesma suavidade que fazia amor comigo. Se movia com a agilidade de quem tem as juntas girando para todos os lados errados, e todos ao mesmo tempo, dançando ao som de algo rápido, pesado e denso.

Here she comes again.

Tudo terminou muito rápido, também como nos filmes. Elas jamais me viram, ou não fizeram nem questão de me ver. Naquele momento, eu não me senti digno de me verem. Eu tinha deitado com uma deusa da morte, e nossa vida juntos era a mesma que dava luz a membros despedaçados como se fossem de porcelana.

Me encontraram no mesmo lugar, de joelhos, coberto da cabeça aos pés de borrifos de sangue e sujeira do massacre, pensando que havia sido obra minha, que eu havia seguido o caminho de meu pai, que...

Que eu era um herói.

Mas não tem heróis numa favela.

A noite seguinte, eu passei me tentando esquecer do melhor jeito que dava. Todo mundo fez o possível para me ajudar, achando que eu tava em choque, que eu estava... Sei lá. Mas eu tava só morto por dentro, tudo o que eu acreditava e que eu tinha me atrevido a sonhar virando uma merda de piada cruel e de mau gosto.

Na terceira noite o que restou da gangue, que tava fazendo negócios em outro bairro, me encontrou no Matchbox, tentando fazer com que meu sangue tivesse um teor alcóolico uma coisinha maior do que eu tinha bebido ultimamente. Não dá pra dizer que os caras tavam felizes.

No começo, a dor me deixou feliz. A dor me deixou completo. Eu vi que a minha vida tinha sido toda direcionada para esse fim e para este momento. Mais um ork massacrado em uma briga idiota de bar, por cinco caras com cento e trinta quilos de cromo no corpo. Tudo fazia sentido. Estava tudo bem. Estava tudo certo.

Eu não tinha nada quebrado ainda. Eles eram cuidadosos e tinham experiência no que faziam. Evitavam os órgãos principais e as artérias, pegando só os lugares onde doía mais. Podia levar uma hora, sei lá, quem sabe mais. Eu sou forte.

Meu pai sempre me disse que eu era forte.

E por algum motivo idiota, aquilo me fez pensar em todo o tempo em que a gente praticava, nas coisas que seus amigos me ensinavam, coisas que um corpo humano - ou o meu, seja lá o que a gente era pra entender quando diz humano - não devia ser capaz de fazer. Como esmurrar ferrocreto, madeira, metal, carne - sem sentir a diferença.

Coisas asim.

O primeiro deles, que estava chutando as minhas costelas, foi uma coisa meio descuidada, eu sei. Mas as botas com biqueiras de metal dele incomodavam, então eu quebrei a perna do cara na altura em que o fêmur se encontra com o quadril. Algumas coisas você nunca esquece. Basta um movimento rápido, do jeito certo, sem precisar nem de muita força.

Mas eu usei de muita, muita força. E eu sou forte, muito, muito forte.

Os outros deram pra trás quando me viram deitado, segurando uma perna inteira na mão, me encharcando de sangue enquanto seu amigo estrebuchava do meu lado, com um jato de roxo arterial, escapando do lugar onde devia ter uma coxa.

O resto foi fácil.

 

"Juan."

"Diz."

"O que você vai fazer agora, cara?"

"Hein?"

"Cê vai começar sua gangue ou o quê?"

Eu pensei bem. Gangue era coisa do tempo em que eu era garoto, que correr solto na rua e fazer merda sem saber nem porquê era só o que a gente tinha. Mas eu era um homem agora, e tinha que ter sonhos. Sonhos de homem. E porque meus sonhos sozinhos não iam pra canto nenhum, eu respondi:

"Nada de gangues - só a gente. Só o bairro todo."

 

16.2.05

Shadows of Redemption

"um sobretudo não é muito diferente de uma capa, no final das contas"
-Frank Miller

Não é novidade: uma das coisas que mais aprecio são quadrinhos, e entre eles - mas não somente - quadrinhos de super-heróis.

Não vou entrar aqui em múltiplas e complexas leituras e análises sobre o papel da HQ de super-heróis na formação do coletivo cultural, ou qualquer outra balela acadêmica. É só uma idéia que eu tive.

Shadowrun (o RPG que jogamos atualmente) é um jogo de anti-heróis. Na verdade, eu diria até que é um jogo de criminosos. Um jogo de criminosos free-lancers fazendo missões contra ou a favor das mega-corporações, tendo o mesmo papel que os lendários ninja do Japão feudal. Guerreiros das sombras. Combatentes, infiltradores, especialistas habilidosos em sua arte e técnica servindo a quem pagar mais.

Em útima - ou em qualquer análise - criminosos. Contudo, diferente dos criminosos de carteira assinada, eles não trabalham (pelo menos normalmente) para prganizações criminosas, preocupam-se com o bem-estar da comunidade onde vivem, com balas perdidas, com dano colateral. Alguns fazem pequenos serviços dentro de seu bairro, corrijem algumas injustiças invisíveis, muitas vezes para seu próprio bem, mas não apenas - eles vivem ali, e mesmo levando em conta a necessidade de uma política de boa vizinhança, eles se integram na comunidade porque sabem que sozinhos são alvos. Fazendo parte de um grupo, de uma comunidade, podem derrubar gigantes - como as corporações sob cuja sombra eles vivem.

E me veio a idéia de shadowrunners como anti-heróis. Oh, não é necessário forçar a barra: gente como o Justiceiro, o Corvo e o Sombra São exemplos perfeitos deste tipo de personagem. Alguns nem precisam adaptar direito. O Justiceiro é um mercenário barra-pesada que depois de duas temporadas em Guerra do Deserto IV volta para casa só pra ver sua família ser assassinada no conflito entre agentes de duas corporações. O Sombra é um adepto somático pra lá de poderoso com vários graus de Iniciação, cheio de contatos e seguidores. O Corvo é um espírito encarnado com poderes descomunais, talvez resultado de um experimento mágico, ou talvez de uma Perseverança tão grande que conseguiu superar a morte para exercer sua vingança - por outro lado, podem haver coisas que ainda desconhecemos sobre o Sexto Mundo.

Viu só? Não é tão difícil. E pra completar, procurando por mais informações sobre o tema na Internet, encontrei uma edição especial do Shadowrun Supplemental, um fanzine on-line de Shadowrun (e muito bom, por sinal) com exatamente esta temática. Abaixo segue o texto introdutório do arquivo (escrito por Patrick Goodman), devidamente (e livremente) traduzido por mim.

Ela sentou-se na beirada da cobertura, olhando por sobre as favelas do sudoeste de Houston, dez andares abaixo do seu apartamento. Até agora tinha sido uma noite quieta, e não seria ela a primeira a reclamar. Olhou para o céu, perdendo-se na confusão de estrelas que ainda eram visíveis sob as luzes urbanas e as camadas de poluição. Tentou encontrar algumas constelações conhecidas, mas nunca tinha sido boa nisso. Apenas gostava das belas jóias noturnas.

Sua contemplação foi interrompida pela espírito urbano que ela havia deixado fazendo a ronda. “desculpe interrompê-la”, disse, sua voz suave e fria como a brisa da baía, “mas temos problemas a alguns quarteirões a oeste daqui. Seis grandes, um pequeno.” Ela levantou-se, olhou para o espírito e disse “leve-me até lá, por favor.” Um instante depois, estava voando para oeste, a forma do espírito carregando-a tão facilmente como a uma boneca. Apontou para um telhado próximo ao beco onde o espírito havia indicado, e ele gentilmente a pousou ali.

Era um beco sem saída, e na iluminação agonizante da rua, Thunder podia vez um pequeno grupo de homens e mulheres cercando alguém no final do beco. Era uma mulher, implorando para que não a ferissem. Thunder balançou a cabeça ante a cena três andares abaixo. “Então os dragões desta noite são gangbangers. Quem sou eu para discordar?” Ela ergueu a mão direita até o peito e golpeou o pequeno escudo branco do tamanho de seu punho e costurado ao sobretudo, com a cruz vermelha de São Jorge gravada sobre ele. Era a única porção de cor em sua vestimenta. “Ajude-me com isso”, ela disse reverentemente.

Deu um passo para a borda do telhado e tocou o bracelete dourado no punho direito, que começou a brilhar com uma suave luminescência. Voltando-se para o espírito, ela disse,”fique por perto, eu posso precisar de ajuda.” O espírito desapareceu sem aviso, mas Thunder ainda podia sentir sua presença; ele estaria ali se ela precisasse. Desabotoou o sobretudo, certificou-se de que seus tomahawks estavam firmes no cinto e saltou para a escuridão do beco. O feitiço de levitação em seu bracelete evitou que fosse esmagada no pavimento. Abriu os braços e as abas do sobretudo foram sacudidas pelo vento como asas de ébano.

Ela interrompeu a queda quase um metro acima do chão do beco. Ainda flutuando, seu cabelo louro e descuidado soprado pela brisa, observou um dos capangas — suas cores de gangue impossíveis de discernir na penumbra — notar sua silhueta na luz fraca e e quase estroboscópica dos postes. Com um tom tão ameaçador quanto o de um matador de dragões, Thunder disse: “Deixem. Ela. Em paz.”

O resto da gangue espalhou-se ao seu redor, ignorando a mulher que estavam encurralando — que, amedrontada, encostou-se em uma das quinas do beco sem saída. Os punks começaram a avançar, rindo e fazendo piadas sobre a idiota que havia interrompido sua negociação. Thunder tocou o chão e estalou os dedos, uma palma da mão fechada contra a outra, enquanto o resto do grupo se aproximava.

Sorriu. Era hora de trabalhar.

Que tal? Não estou falando em mudar a campanha de uma vez, mas é algo para o futuro... Deixa vocês ganharem mais um pouquinho de karma...

13.2.05

na FM da minha cabeça

...tem dias que aquela música não larga, não sai, fica tocando em modo repeat initerrupto no cd-player da sua consciência (alguns dirão que são mais modernos, que têm um Ipod na memória - mas eu sou ortodoxo). Hoje foi o Smash Mouth:

 

Waste

I'm lookin' at my watch
At all the time that's been stolen
When I was carryin' you
Seems I've tripped and I've fallen

Don't want no one to ache
Oh, to be drunk and forgetful
To get out of this unscatched
Oh, to be free and inhuman

Some may say
I love to play
When the chance is there to take

I'm moppin' up the floor
From messy recipies of romance
I'm packing up the pots
Too many cooks in the kitchen

Some may say
I love to let
A good thing go to waste
I let it go to waste

Let a good thing go to waste
A good thing go to waste
Let a good thing go to waste
A good thing go to waste

I'm lookin' at my watch
At all the time that's been stolen
When I was carryin' you
Seems I've tripped and I've fallen

1.2.05

Está na hora de apagar a velhinha...

... opa, é velinha. Bem, escorregões geriátricos à parte, eu gostaria de lembrar a todos que hoje - dia primeiro de fevereiro - é meu aniversário. Fazem exatamente 34 aninhos que eu nasci.

Enquanto vocês se felicitam, imaginando que vão encher o bucho de bolo e refrigerante, eu gostaria de lembrá-los (mais uma vez) de que, embora hoje seja o meu aniversário, ele NÃO será comemorado hoje. Será no dia 6 de fevereiro, domingo de carnaval, na casa de minha mãe, sítio Pai Voredo, na cidade de Barreiros, Rio Grande do Norte, região Nordeste, Brasil...

Quem souber como ir para lá, vá. A coisa começa por volta do meio-dia. Quem não souber, estou pensando em fazer uma caravana em um lugar central para a partir daí, seguirmos juntos para a Zona Norte e de lá para o Gancho e então Barreiros.

Será divertido. A comida é de graça. O que mais vocês precisam saber?

Apenas vão.

30.1.05

Eleições no Iraque

Eu não tenho certeza, mas me parece que lá nas terras d´além mar (não, não é Portugal), as eleições estão mais complicados do que escolha de delegado para Alexandria ou Exu.

Vejam com seus próprios olhos

29.1.05

Saudade não tem fim, felic... epa!

Não é bem assim a música. Mas não importa. Madrugada de hoje, por volta das 04:00am, nos dirigimos à rodoviária para encontrar com minha sogra e cunhada, que junatamente com Thatiane, dirigir-se-ão para a terra santa de Fortaleza, a Meca do Ceará. Reza a lenda que todo cearense tem - de tempos em tempos - que visitar seu local sagrado de nascimento e renovar os laços sacros que o unem a esta terra.

Feliz ou infelizmente, eu sou natalense, então meus laços estão mais que amarrados com esta terrinha desgraçada. Enfim.

Tivemos que esperar um pouco. Teresa (cunhada) havia ido a uma última festa antes da viagem, e só chegou em casa bem em cima da hora. Tudo bem. Quinze minutos antes da saída já estávamos todos lá. Antes que chegassem, contudo, aproveitei para fazer um lanche e comprar um biscoitinho para Thati levar na viagem (o biscoito acabou virando uma pipoca Boku´stm). Enquanto comíamos, um travesti de produção superbásica nos interrompeu - educadíssima - e pediu cinquenta centavos para completar o café. Tendo exatamente o trocado, despachei a criatura com modos à altura de sua interpelação. Polidíssima, ela ofereceu votos de boa viagem e partiu com toda a graça e classe que uma vida em sapatos de salto agulha tamanho 42 pode permitir.

Enquanto as mulheres da família Lira embarcavam, meu sogro (com o peculiar e inescapável senso de humor cearense) denotou a presença de outras duas divas drag na lanchonete da área de embarque/desembarque. Trajadas no mais brilhante e resplandecente refinamento, recobertas da cabeça aos pés em cetim vermelho, rosa e branco, lantejoulas, plumas e outros adereços que a minha heterossexualidade imanente não me permite identificar, elas pareciam ter saído de um show da Cher.

O sol nascia. Deixamos a rodoviária após o ônibus partir, com alguns passageiros refestelados desconfortavelmente em bancos de concreto, alguns dormindo, outros asistindo Patton na Sessão Coruja (aquele com o Savallas). Pessoas começavam a chegar para tomar o primeiro ônibus do dia, enquanto outras chegavam aos poucos, descarregando bagagens e sonhos.

Aeroportos e rodoviárias sempre me deixam com essa sensação contemplativa do mundo, como se cada esquina fosse uma encruzilhada de destinos, onde o acaso faz seus circuitos de surpresas e encontros. Não sei - talvez seja só nostalgia da minha adolescência de viagens e acampamentos.

Acompanhei o ônibus até sair da rodoviária, levando um pedaço do meu destino até as terras longínquas do Ceará. Vai ser um final de semana difícil.