7.3.04

Bebum

Ele aproximou-se de mim com lentidão, num arremedo de furtividade cambaleante, traído pelo inconfundível halo de álcool à sua volta. Tropeçou de leve numa cadeira, murmurou uma litania de desculpas ébrias para ninguém em particular e continuou a vir em minha direção.

“Curso de colisão”, pensei, e beberiquei novamente da água. Bem, ele ia ter dificuldade em filar algo alcóolico comigo — meus últimos centavos tinham ido embora na garrafa de água mineral, agora já no último gole. Ele equilibrou-se, aparentemente praguejando contra a gravidade e todas aquelas heresias newtonianas, e apoiou as mãos no recosto da cadeira ao meu lado.

“Com licença”, rosnou, quase com carinho, “posso conversar com você?”

É, me pegou de surpresa. Dinheiro, bebida, comida — tudo isso eu esperava. Mas conversa?!

Dei uma olhada: uns quarenta, quarenta e cinco anos no máximo, barba por fazer, boné de napa preta imitando couro, bem apertado na cabeça. A camisa puída, folgada — mas ainda respeitável — sobre o jeans resistente. Um velho par de tênis que já viu mais estrada do que seria saudável para um calçado. E uma revista da Turma da Mônica pendendo na mão esquerda, enquanto a outra carregava um cigarro já pelo final. Sem aliança. Sem nenhum adorno. Apenas um relógio velho preso pela pulseira de couro roído, frágil.

Coloquei o livro de lado e lhe dei meus dois tostões de atenção.

“Você é um rapaz de respeito”, começou, com o rosnado rouco que parecia ser sua voz de sempre, “e sabe que eu também sou um homem de respeito.” Era uma afirmação. Balancei a cabeça, por puro hábito. A maneira como ele falava não pedia para ser confirmado, mas eu o fiz assim mesmo.

"É por isso que eu lhe digo que não estou aqui para lhe tomar o seu tempo e nem para lhe pedir dinheiro." E foi aí que ele me fisgou. Se não queria nem uma coisa nem outra, necessidades habituais do cachaceiro de carreira e profissão, o que seria?

"Olhe aqui", rosnou novamente, num tom entredentes, de rachar o pré-molar, que até hoje consigo lembrar mas não imitar, e me estendeu da carteira puída como a imagem que eu tinha seu fígado, uma foto pouco maior que um três por quatro, provavelmente recortada de uma foto maior.

Na foto, um garoto de seus sete ou oito anos (nessa idade, quem poderá dizer?) sorrindo cheio de dentes para a lente da câmera ou o que quer que estivesse por trás dela. Cabelos curtos, cortados rentes, lisos e brilhantes. Uma ponta de camiseta listrada e alguns balões por trás da cabeça. Provavelmente um aniversário, mas até aqui já deduzi demais e decidi deixar por isso mesmo: uma foto e pronto. Só me dei ao luxo de achar que o garoto parecia feliz.

"Meu filho", disse, não sem uma ponta de iceberg cheia de orgulho, "meu menino". Ele olhou a foto por alguns instantes, talvez quase esquecido do porquê de haver me mostrado, e a recolocou na carteira, que um olhar rápido confirmou o quase óbvio e talvez um tanto preconceito: vazia.

"Ele é um rapaz de respeito, como você." Uma pausa. "E é por causa dele que eu lhe pergunto: você pode me ajudar?"

Àquela altura, sabe-se lá por qual motivo ou processo psicológico, espiritual ou econômico, eu estava pronto a derramar qualquer dinheiro que eu tivesse na carteira do desgraçado. Mas a verdade é que eu não tinha nada mais do que as passagens de volta para casa (em forma de tickets estudantis), e não podia fazer mais do responder um "não" constrangido, que ele tomou pelo que era. Levantou-se com uma espécie de orgulho roto, roído, mas ainda intacto, fez uma quase continência, voltando-se lépido nos pés trôpegos e desapareceu na maré de gente que enchia a praça de alimentação do shopping nos finais de semana.

Levei um bom tempo para voltar a ler o livro, e o que restava da água mineral desceu não sem alguma dificuldade, muito embora até hoje eu não saiba bem precisar o porquê.

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