31.12.04

Novidades RPGísticas de última hora

Só pra turma dos sábados de RPG:

Espero que vocês estejam satisfeitos com o andamento da campanha até agora - Deus sabe que eu estou. Infelizmente, a coisa não está muito a gosto do Dudu (que segue os conselhos do mestre Bill Gibson "cyberspace and elves? No, thank you very much"), pelo motivo supracitado e por estar na sua fase (ou momento evoolutivo do RPG) systemless, enquanto eu me encontro em meu melhor momento AD&D, com um sistema para o qual tenho montes de sourcebooks invocados e cheios de maneira diferentes de mandar os meus PCs desta para melhor. Infelizmente, talvez não contemos com sua sempre divertida e escrota presença. Mas eu espero que isso mude.

Ah, sim a novidade!

A novidade é que consegui pegar pelo eMule, cerca de 1,5Gb de sourcebooks de Shadowrun, incluindo o Grimoire 2nd Edition (para alegria do Yuri) e vários livros-fonte sobre Seattle, Aztlan, bioeletrônicos, corporações e Criaturas paranormais da Europa e América do Norte.

Não é querendo desencorajar ninguém, mas seria bom vocês começarem a fazer uns personagens de backup, afinal nunca se sabe.

Ano novo, vida nova...

...a mesma $#%@! de sempre.

Ou não, como diria o poeta. Para alguns de nós esta simples mudança de dia - que faz parte de uma sequência de ciclos aleatórios, mais ou menos regida pela evolução de corpos celestiais em seus incomensuráveis passeios no imenso vazio da criação, não se iludam - simboliza a possibilidade, ou melhor ainda, mesmo a certeza de que dias melhores virão.

Cada novo ano é como uma vida nova, fresca e cheirando a Veja limpeza pesada eucalipto, um início - ou a continuidade de um início já fortuito do passado. Tudo é referencial, contextual. Levamos nossas vidas apoiados em promessas de revellion, que pesam em nosso subconsciente como um incômodo souvenir do que não cumprimos, da promessa quebrada que jamais esquecemos. Claro, isso não é a norma.

A norma é que temos esperança. E esta palavrinha safada, usada e abusada ao extremo de sua capacidade semântica parece nos iludir a cada vez que pensamos nela. Não importa os desastres, catástrofes e hecatombes pessoais que afligem nosso cotidiano: a esperança está por ali, brilhando no proverbial fim do túnel, mesmo que o poço sem fundo onde às vezes nos enfiamos seja aprofundado por nossas mãos, munidas de pá, enxada e escavadeira hidráulica 4x4 com caçamba opcional.

Esta absurda, ridícula e absolutamente necessária idéia de esperança me lembra um poema que vi no centro cultural do SESC, coisa de seis, sete anos atrás, em uma exposição de cultura japonesa:

 

A Informação Sobre o Famoso Lugar de Edo

Ele realmente é
como se dragões
tivessem passado
por aqui.
         — Anônimo

 

Acho que o famoso lugar de Edo deveria ser como nossos corações: um palácio de dragões, uma máquina ritmada e precisa que sonha. Que procura potes de ouro no final de arco-íris não porque acredita que existem potes de ouro, mas porque seria divertido procurá-los. Um graal feito de sonho e esperança, daquela inocência preciosa e perdida que tentamos (por algum motivo até então, pelo menos para mim, desconhecido) esquecer, como se fosse uma moléstia fatal.

E para atestar esta fé, eu chamo outro poeta, que traduzi livremente, e cujo anonimato é fruto de minha péssima memória:

 

Credo

Não encontro meu caminho: não existe estrela
nos céus encobertos acima,
e não há um único sussurro no ar,
exceto um tão distante
que ouço como um arranjo de antiga
e perdida música, regido por dedos de anjo e fada.

Folhas mortas cobrem onde não houve rosas jamais.

Não há brilho, sequer chamado,
para quem aceita — mesmo quando teme
o negro e terrível caos da noite,
e através disto tudo — acima, sobre, além
eu vejo a mensagem vinda dos anos,
eu sinto a chegada da luz.

 

E este ano que se aproxima, iminente em sua novidade e variedade de experiências - sejam lá de que tipo forem -, que ele nos seja leve como a chuva que às vezes refresca nossos dias de eterno verão. Que ele traga nossa amizade e amor (como se houvesse diferença entre os dois!) de mãos dadas com nossa esperança e fé, com nossos preciosos sonhos de amanhã, mais dourados que a promessa do paraíso e mais preciosos que o tesouro de um dragão.

Tenham felizes anos - todos eles, sempre. São o votos meus e de Thati para todos aqueles que amamos e até para quem não vamos muito com a cara. Pois todos merecem uma chance.

Alguns merecem até duas.

25.12.04

Natalício

O texto abaixo é um clássico das minhas leituras sobre o Natal, e deriva do hábito de um tio-avô torto de fazer um exclusivo poema para a época natalina. Eu dei uma rápida limpeza no texto, já lubrificado por três garrafas (duas de um excelente Marcus James piagentino e uma de um riesling passável, quase de mesa) de vinho. Enfim: aqui vai meu texto-padrão de Natal. Prometo coisa melhor para o próximo. já que este é o primeiro Natal deste Blog.

 

NATALÍCIO

"All you need is love"
John Lennon e Paul McCartney

Noite de Natal.

Festa, brindes, abraços — e ele num bar qualquer. Sozinho, claro: a trabalho em uma cidade estranha, longe da família, longe dos amigos. Longe de qualquer um que ele quisesse estar perto. Sentou-se na mesa do canto e ficou observando o bar encher-se de seus clientes habituais e das caras novas que faziam uma rápida pousada em suas peregrinações de álcool e trilhas de nicotina, taxiando brevemente no balcão para rápido reabastecimento e então seguir viagem.

O de sempre. Pessoas sozinhas, casais, turmas e barulhentas turbas de pessoas procurando felicidade fácil e rápida.

Já quase meia-noite e nenhuma mesa vazia.

Pediu mais uma garrafa de vinho, mudou os aperitivos de lugar no prato com a mão já hábil no palito de dente, a cabeça pesando sobre a mão. Outro natal sozinho, outro dia sozinho. Nenhuma novidade. Foi quando levantou os olhos para a porta do bar — e o viu, subitamente, com uma clareza que culpou, em parte, ao excesso de álcool.

Devia estar ali há algum tempo, encostado junto ao umbral, mas sem impedir a passagem, logo ao lado de uma mesa cheia. O que impressionava era a beleza terrivelmente certa. O rosto sem um único ângulo que não fosse perfeito, sob a pele de um bronzeado marfim. Cobria-se de fulgor branco, imaculado, como se a roupa de linho puro o fizesse mais real que as outras pessoas.

Ele destacava-se nitidamente — como lhe pareceu naquele instante — contra o pano de fundo da própria realidade.

A brisa súbita, serpenteando entre os guardanapos e toalhas de mesa, fez seus cabelos moverem-se com suavidade — cachos curtos que quase alcançavam os ombros, cascateando tons de ouro velho quando voltou seu rosto para vê-lo. Traços de suave indolência, assexuados, andróginos, o olhar bonito (ou estranho, não sabia de homem ou mulher) o fitava desconfortavelmente.

Olhou para um lado, para o outro, e depois para ele, como se procurando certeza. Dirigiu-se até sua mesa.

— Posso sentar? — pergunta com uma voz que cairia melhor em bem-pagos tenores de Milão ou Madri.

“Essa não”, pensou. “Algum travesti maluco quer sentar na mesa”. Mas fazer o quê? O cara provavelmente iria dar um escândalo se ele não aceitasse. E, afinal de contas, era Natal.

Dane-se.

— Claro, sente — respondeu, indicando uma cadeira.

— Obrigado. Estava começando a ficar frio lá fora. Não que eu me importe, sabe, mas as pessoas iam começar a achar meio estranho, eu ali parado na porta, sozinho, o frio, uma noite de Natal. — fez uma breve pausa, com aqueles olhos perturbadores — Entende? — A voz tinha uma suave potência que lembrava o diálogo de um sonho. Ele pensou, por um instante, se não estava sonhando. Esfregou os olhos e relaxou.

— Bem... hmmm... Nada, nada. Qual é o seu nome?

— Shamael.

— Ah... Mas é um nome bíblico, não é? — O outro deu um sorriso estranho quando ele falou.

— Com certeza. — e sorriu mais — Afinal, eu estava lá.

"Um maluco", pensou, tentando não parecer assustado, brincando nervoso com o copo, pensando se o garçom estaria percebendo.

— Não, um maluco não — retrucou o outro.

Engoliu em seco. A visão girou loucamente em seu eixo, o foco turvando enquanto pensava se ia desmaiar ou não. Colocou a mão sobre a borda da mesa, tentando recuperar algum contato com o mundo real, concreto, ao que estava costumado. Respirou fundo. Mas o outro apenas sorriu e disse:

— Tudo bem, eu provo — olhou para o copo — O que é que você está tomando? Vinho, certo? Beba.

Pegou o copo com receio, como se contivesse veneno, e tomou, cuidadosamente, um pequeno gole (as coisas às que estava acostumado já não eram mais as mesmas. Tinham o ritmo de um sonho). Depois, com estupefação, outro. Mais um terceiro, cheio de surpresa.

— ÁGUA! — quase gritou — Este copo está cheio de água.

— A garrafa também — completou, balançando a cabeça — Mas eu pago outra — levantou a mão — Garçom!

Duas garrafas depois, ele acreditava, mas não entendia.

— Mas o que é que você veio fazer aqui, exatamente hoje? Veio tocar a trombeta do juízo final, trazer a destruição para a raça humana inteira, ou... — a voz trôpega embaraçava-se no que a mente visava aos atropelos.

— Não, não, calma aí. Nada disso. — e, antecipando certos pensamentos, acrescentou — E nem vim por você. Fique calmo. O Apocalipse não chegou ainda. E nem vai. Quer dizer, não depende de mim. E nem Dele. Quando é problema de vocês. Aliás, para falar a verdade, Ele nunca pensou em Apocalipse nenhum. Isso é conversa fiada. Ou você acha que alguém que constrói isso tudo ia colocar data marcada para pôr fim? Claro que não!

— Então por que...

Mas o outro parecia se exaltar. Não o ouvia.

— Você acha que alguém que construiu os mundos à mão, e as estrelas com seu sopro, dando forma a todas as criaturas vivas do cosmo à sua imagem e perfeição espiritual — não sua carne, sua forma, que ele não possui, mas à forma do seu espírito — iria fazê-lo? Ninguém tem vontade de destruir sua obra. Ninguém tem vontade de matar seu próprio filho, mesmo que ele seja, por vezes, mesquinho e vil. Não importa. À sua maneira, ele os ama a todos. E ama tanto que os deixou livres para seguir ou não suas palavras, não condenando pessoalmente ninguém por causa disso.

— Mas e as crianças que sofrem de fome, de maus tratos, os doentes, os oprimidos, todos esses...

— Sim. Bem. Isso não é com ele. Ele lhes deu vida, um mundo para viver, comida para caçar, cultivar e coletar, e inteligência para aprender a fazer tudo isso cada vez melhor. O resto é com vocês. Mais ainda: quando foi tempo, ele mandou seu próprio filho, em muitas formas possíveis, para que vocês soubessem como viver bem, segundo suas próprias culturas: Jesus, Sidarta, Arcanjos Mensageiros, Profetas... todos eles — fez uma pausa, como se refletisse, e acrescentou — É difícil a vida de um messias. Não os invejo, mesmo se pudesse sentir tal coisa.

— Você quer dizer... Não é Ele que faz tudo acontecer?

— Na verdade, não. Ele apenas construiu tudo, e pôs para funcionar, colocou leis, regras e liberou algumas energias por aí. As coisas funcionam sozinhas. Só de vez em quando é que ele intercede, e algo inusitado acontece, transgride-se alguma lei física aqui, há uma ressurreição acolá... O que vocês chamam de milagres.

— Eu... — a boca fervilhava de perguntas, mas qual a mais importante, meu Deus, qual delas? Fez a primeira que lhe veio — O que é que diabos você está fazendo aqui?

— Não blasfeme.

— Oh, eu... — engasgou com súbito pânico — Desculpe.

— Ah, tudo bem. Não é pecado. Desculpe, é um hábito antigo. Quer dizer, você não vai ser condenado por isso. Não depende dele, entende? Mas é que dói nos ouvidos, esse tipo de coisa. Eu provavelmente enlouqueceria se fosse a um show de Heavy Metal. Mas o que é que você havia perguntado mesmo?

— O que é que você...

— Ah. Lembrei. Bem, eu sou o... guarda-costas... do Filho, sabe?

— Você quer dizer... — ele quase não ousava falar — Cristo?

— Bem ali, naquela mesa — ele voltou-se e viu um jovem alto, bonito, com longos cabelos encaracolados e uma barba curta, bem vestido — embora com simplicidade — e rodeado de pessoas, bebendo e rindo. Era a própria alegria.

— Você quer dizer... Ele é...

— O próprio. Ele quis comemorar o aniversário na terra, e como o Pai nunca lhe recusa nada... Aqui estamos.

— E você é o guarda-costas dele.

— Pois é. Não é algo muito trabalhoso, sabe? Quero dizer... Tem os assaltantes, assassinos, psicopatas, cultistas... gente ruim em geral. Eles não nascem assim, as coisas não são bem.. Enfim. Basta que eles o olhem, que encarem aqueles olhos... e saem transfigurados. Viram assistentes sociais, floristas e professores, ou suicidam-se. Ademais, há acidentes, mas os caminhos do mundo voltam-se para ele. Balas perdidas não o encontram, carros desgovernados desviam para outro lugar, venenos transubstanciam-se ao tocar seus lábios e vasos pesados ficam firmes em seus parapeitos. Na verdade, eu só tenho mesmo que protegê-lo de forças superiores. Ou inferiores, se você pensar de uma certa forma. Coisas que estão além do alcance imediato Dele.

— Você quer dizer Dem... — interrompeu-se — Oh, Deus, desculpe.

— Não, tudo bem. É isso aí. Eles existem, sabe. Existem mesmo. — suspirou. — E pensar que o maior deles costumava ser um de nós.

— Lúcifer?

— Estrela da Manhã. O mais belo e poderoso de todos nós. Muito bondoso, magnânimo e tudo o mais. Mas aí começou a pensar que era O Próprio.

— Pecado do orgulho?

— Olha, pra falar a verdade, não era não. Ele era Deus, de uma certa forma. Tinha poder o bastante para isso. Só que não tinha sido ele que havia criado o céu, as estrelas e tudo mais, entende? Pois é. Aí veio a guerra — e eles caíram. As asas de Lúcifer queimaram e seu pé foi torcido na queda. Mas continua sendo um cara legal, se é que você me entende. Não é mais um anjo. Mais pra um de vocês. Humano. Mas tem o poder de um anjo. — balançou a cabeça, suspirando — Não é fácil, pra ele. Basta desejar e acontece. Algo ruim de se ter quando sua alma não é como um dos lírios dos campos. Ele tem mais poder na unha do dedo mindinho do que eu tenho no corpo todo, incluindo as asas, mas eu não o invejo. Bem, primeiro porque sou um anjo. E depois, porque não é o tipo de coisa agradável de se ter. Poder além de qualquer controle ou limite. Realmente...

— Existe um... inferno?

— É claro que sim!

— E onde fica?

— Você está nele. Ei, ei, é brincadeira. Piada de querubim. Mas há um inferno, sim. E é você mesmo que escolhe se vai pra lá, e quanto vai sofrer, por quanto tempo e como. Não há juiz pior do que você mesmo. Nenhum é mais severo. Não é Deus que o condena aquele lugar. Ele não poderia fazer isso, simplesmente não poderia. Assim, é escolha sua. Aliás, sempre foi escolha sua, desde que nasceu. Olha, para falar a verdade, foram vocês mesmos que pediram por um inferno. Ah, faz tempo, foi... olha, é complicado... Vamos dizer que não haviam céus ou estrelas, e o espírito de Deus pairava sobre a superfície das águas.

O homem fez uma pausa, pensou um pouco e olhou para a mesa onde Ele estava. Uma mulher morena, de exótica e absoluta beleza, estava sentada junto a ele, abraçando-o

— Aquela ali é...

— Magdalena. Bonita, não? E uma ótima pessoa, você nem imagina o que falavam dela, nos tempos de Jerusalém. A Bíblia não conta metade do que aconteceu. Ela está sempre ao lado dele. Os outros são velhos amigos e... Olhe só quem chegou! Em cima da hora, como sempre...

Os três homens entraram um a um, numa educada e informal fila. O europeu enorme, com uma abundante barba loura escondendo o nó da gravata; um negro de feições gentis e o corpo de um gladiador sob a camisa de malha; e o oriental, de pele e roupas finas muito claras, um sorriso perpetuamente singelo nos lábios. Traziam presentes cuidadosamente embrulhados. A chegada deles na mesa parecia uma festa.

— E é uma festa. Deus, é o aniversário de...

— Exatamente — disse o anjo.

— Eles não são aqueles que...

— Pois é. Lembro do trabalho que tivemos para que aquela estrela mostrasse a direção certa. Não foi fácil, acredite. Mudar uma estrela de lugar, ajustar o azimute, albedo, limpar a visibilidade celeste...

Estava literalmente... O quê? Não havia palavra grande o bastante. Suas mãos tremiam, o queixo pendia, estupefato. O anjo pediu mais uma garrafa.

— Sabe, estes anos de hoje em diante são especiais. Tudo pode acontecer. Tudo.

— Como assim? — tomou mais um gole.

— Hoje fazem dois mil anos. Na verdade um pouco mais, mas o que importa é a tradição. Pra mim, parece que foi ontem que eu o via brincando nas ruas de Belém. Era uma criança boa, acredite. Um pouco complicada, mas boa. E não era para menos: Nem oito anos e ele já dialogava com os sábios do templo. Senhor, como era engraçado!

— Mas o que é que isso tem a ver...

— Olhe. Eu não posso falar muito (você não iria entender muito, de qualquer maneira). Mas digo isso: torne esse lugar algo melhor pra você e os outros. Isso faz toda a diferença É, eu sei, parece babaquice, mas é a parte importante. Lembra? “Amem uns aos outros como eu vos amei?” Pois é. Essa é a única lei, por assim dizer. Não apenas amem Deus, o próximo ou você mesmo sobre todas as coisas. Amem. Apenas isso. Amem. Não precisa de muita coisa. O resto é fácil.

Ele pensou sobre aquilo tudo. Não era fácil entender. Aceitar, sim, mas... Mas o quê?

— Dúvidas são uma coisa boa. Fazem a gente refletir e pensar. Mas às vezes, não é momento para se pensar. É momento para se sentir. Sinta.

Quando se deu conta, o anjo estava olhando para ele.

— Mas amar quanto? O quanto era, ou será necessário?

— Não há quantidade. Apenas ame.

Ele pensou. Por um longo tempo, ao que parece, pois quando se deu conta, o bar já estava quase vazio. O anjo estava no fim do grupo de pessoas que saiam daquela mesa. Ia fazer menção de se levantar, mas o anjo tocou no ombro do homem abraçado a uma bela mulher de pele morena. Ele voltou-se, os reflexos de suave dourado na barba parecendo reluzir sob a iluminação do bar, o viu sentado e sorriu.

Foi o suficiente.

Seu sorriso englobava tudo: céu e estrelas, vida, morte e o que havia antes e depois. Guerras, sofrimento, dor, fome e risos, prazeres e as pequenas vitórias e derrotas que pontuavam o cotidiano de cada um. Os dentes brilhavam com os milagres da infância, os dourados anos da juventude quando tudo é intenso e bom, quando tudo tinha esperança, contrastando com os agudos meio-tons da velhice, repleta de experiência e lembranças que jamais seriam perdidas, jamais seriam substituídas.

Não era um sorriso. Era tudo. A história da criação traçada nas curvas e rugas dos cantos da boca, traçando o rumo de grandes sóis e mundos no vazio, nutrindo vida onde não deveria haver nenhuma. Era o caminho da água contando estórias escondidas da criação na sua transparência vital, unindo plantas, animais e a própria carne da terra em um único sangue. Era tudo

E tudo, dizia o sorriso, era bom.

Quando se deu conta do que havia visto, o garçom chamava seu nome: era hora do bar fechar. Saiu às ruas, não mais sozinho, não mais triste, não mais perdido.

Porque mesmo que o mundo contivesse dor, mesmo que houvesse a morte, mesmo que a perda e a agonia fossem tudo em uma vida...

Por trás de tudo isso havia o sorriso.

E ele era tudo.

Saiu assobiando na noite escura, não mais temendo o terror que voava ao meio-dia ou o terror que rastejava à meia-noite, pois havia conversado com um anjo e bebido à sua mesa e o Senhor, ou Seu Filho, havia lhe sorrido.

E lhe havia dito que tudo era amor.

 

Espero que a estória acima tenha sido de seu agrado. Se assim o foi, concedo que divulguem o endereço deste blog a seus amigos; se não, espero que tenham um devastador câncer de garganta e morram sem dar uma palavra ou tocar em uma tecla.

21.12.04

Baleiro na agulha

Neste último domingo, 19 de dezembro, foi o aniversário de nossa querida amiga Luciana, que para não fazer pouco, interditou a Cidade da Criança e contratou algumas bandas locais para entreterem seus amigos íntimos (cerca de cinco mil deles) e ainda contou com a presença de Zeca Baleiro, que fez questão de comparecer.

Sensível como ela só, Luciana aproveitou para arrecadar alimentos para sua instituição de caridade favorita, e requereu que ao invés dos habituais presentes, os convivas trouxessem dois quilos de alimentos para aquela gentinha necessitada de sempre.

Resumindo: a festa foi quase um sucesso. Infelizmente, chegamos à conclusão que a Cidade da Criança não é adequada para este tipo de comemoração, e no próximo ano teremos que encontrar lugar melhor. Poucos banheiros, muita gente, muita criança berrando e pulando e não morrendo ao cair dos brinquedos do parque, apesar dos nossos mais sinceros esforços. Uma tristeza.

O primeiro show não foi lá essas coisas. A cantora cujo nome eu graciosamente esqueci até que não é uma má intéprete, mas nas palavras de minha comadre Raimunda, "não fede nem cheira". Prefiro Thatiane em voz & violão.

Na sequência, a banda Perfume de Gardênia, também conhecida como Gipsy Kings cover, fez uma apresentação pra lá de cansativa, embora tenha tocado clássicos como a versão em portunhol de My Way, Loirinha e outros que não é bom nem lembrar. Só faltaram as maracas para acompanhar. Vejam o registro visual da noite no folotog de Thati.

Terminamos a noite na pizzaria Forno de Lenha, que tanto tem um rodízio de Pizza, como de refrigente e chope. Embora Thati tenha praticado a abstinência parcial, e comido coisa de seis fatias, eu passei por um momento de privação dos sentidos e quando recobrei a consciência, já tinha devorado dezoito fatias de variados sabores (NÃO comam da pizza mexicana, a menos que tenham uma perversão especial por massa, queijo, milho e ervilhas) e cinco refrigerantes.

O resto da madrugada foi passado entre goles de bicarbonato e idas estratégicas ao banheiro. É o que dá esse papo de regime. O estômago perde o hábito de digerir aquelas quantidades pantagruélicas de alimento gorduroso que eram tão lugar-comum em meu passado quase recente.

Enfim.

16.12.04

Quando a merda acontece

Nem sempre é com aviso. Nem um "madeeeeeiraaa!" ou à maneira portuguesa, "água vai!"

Na maior parte das vezes, a figura jurídica de Murphy vem sem o menor aviso. Foi assim com meu pai.

Ontem à noite, ele me liga, avisando que seu computador tinha tido um "chilique" e que se recusava a ligar. Tudo bem. Eu tinha que fazer compras no dia seguinte, por volta do meio-dia e depois iria ver o problema. Esperava pelo melhor, claro (pobre desgraçado otimista!).

Mas não era. Quando cheguei, ele até já havia trocado a fonte, que tinha um cheiro forte de queimado (o meu velho é bem desenrolado para quem nasceu antes da televisão), mas que depois diagnosticamos: o cheiro de queimado não era da fonte, mas da placa-mãe/processador, um Duron PC-Chips (malditos presidiários tailandeses!) de 1.2Mhz que havia partido desta para melhor (ou pior, não sei. Para onde vão os hardwares quando morrem?).

Saímos então pela cidade atrás de alternativas. A melhor foi na Miranda, que dá uns descontos para meu pai, cliente cativo já de cinco anos e portador de um cartão de crédito (platinum gold plus extra titanium II: the revenge) do BB. Uma placa-mãe ASRockstar 712-sei-lá-o-quê-GX. O processador foi um Sempron 2.2. Ah, e a maldita memória DDR, 256Mb dela.

Montei a coisa toda. Inicializou, entrou no Windows, mas... Algo estranho. Na tela inicial, ele acusava um Athlon 1.6Mhz. mexi nos jumpers, vi a configuração da BIOS, tudo certo. Mudei pra lá, mexi pra cá, não adiantava. O PC inicializava, e depois de alguns segundos (sempre informando erradamente a identidade do processador), desligava-se automaticamente, como se houvesse superaquecimento do processador (como a placa-mãe é preparada para overclocking, ela monitora aumento de temperatura, de velocidade de barramento, essas coisas).

Murphy atacava de novo.

Como o velho precisava urgentemente do micro para terminar um relatório, eu sugeri que ele viesse aqui em casa. Tudo bem. Conectei seu HD ao meu, e na hora de imprimir uma prova da capa e folha de rosto do supracitado relatório, o que acontece?

Exatamente. Murphy mais uma vez. A impresora jato de tinta está sem preto, e a impressora laser simplesmente recusa-se a carregar a folha de papel necessária para o processo, seja pela gaveta de papel ou pela alimentação manual.

É assim que a merda acontece. Quando você menos espera e quando você menos precisa.

14.12.04

Stop the press!

Não é exatamente uma novidade: o site está no ar há mais de uma semana, mas eu ainda não havia noticiado-o. Então aqui vai: Ricos e famosos, o fololog de Thatiane, está livre para receber visitas e comentários dos amigos e curiosos.

E tenho dito!

P.S.: o meu deve chegar em breve, mas não será um fotolog como os outros; não, nada disso: será muito pior! Aguardem!

Lone Landscapes

Quando fui vistar a Taverna do Javali, dei de cara com um post sobre o site Kid of Speed, que relata os passeios (fotográficos) de motocicleta de uma jovem ucraniana pela da área próxima a Chernobyl.

Algumas das fotos me trouxeram a lembrança (e talvez não só a lembrança, mas também a sensação) daqueles filmes que eu assistia nas sessões de madrugada da Globo, quando eu tinha oito, nove anos, sei lá (meus pais eram muito tolerantes com a hora de dormir). Eram os então populares filmes de hecatombe nuclear, sobre o fim da vida e da humanidade na face da Terra, preconizados em fábulas às vezes de fundo moral, às vezes apenas como uma fantasia escapista repleta de desespero - como se dissessem "ainda bem que não aconteceu!"

Não aconteceu então, mas qualquer um que tenha passado a adolescência nos anos oitenta pode se lembrar do pânico que pairava no ar, denso ao ponto de você precisar de uma motosserra só para poder levantar da cama. Era na esperança de "ninguém ser louco o bastante para apertar o botão" que seguíamos no dia-a-dia. Talvez seja por causa disso que nossa geração tenha sido tão marcada pelo conformismo. Haviam milhares e milhares de megatons prontos para cruzar oceanos e se espalharem pelo mundo em belos e tóxicos cogumelos a qualquer instante - e não se podia fazer nada sobre isso.

O Java tinha razão. As fotos deixam um sabor estranho na boca. É como jogar Half-Life às três da manhã: seu personagem caminha por longos corredores que na introdução do jogo eram repletos de vida e movimento. E que agora são a única coisa que ele espera não encontrar.

Quando eu tinha catorze ou quinze anos, e a vida me parecia uma confusão, vazia de qualquer possibilidade de sentido, eu costumava me levantar às três e meia, quatro e meia da madrugada (juro por Deus!!) para caminhar até a praia de Ponta Negra (na época, eu morava a meia hora de caminhada da praia). Não haviam ônibus se movendo desde a meia-noite, e poucos carros então tomavam este destino. A praia não era ainda o bordel turístico que conhecemos.

Naquela meia hora, eu me sentia completamente desconectado do mundo, cujos únicos sons eram os do vento atritando contra a duna e sua fina coberta de mata atlântica. Em todos os sentidos, eu era a última pessoa do mundo. As casas estavam fechadas e as lâmpadas dos postes já tinham sido apagadas por seus timers, atentos ao menor sinal de luz matinal. Contudo, eu não identificava este sentimento como mera solidão: era a aceitação de que eu era o último da minha espécie e que qualquer coisa que eu fizesse não significaria nada. Pura angústia de adolescente na interface com um mundo à beira da destruição mútua assegurada

Acho que posso entender como Elena se sentia em seus passeios - trazendo de volta para casa autênticos postais do inferno, revelando que nossa pena final talvez não seja pelo fogo ou pelo gelo (sendo ambos os únicos convidados em Chernobyl, pelos próximos 900 anos), mas pela solidão.

Pecados singelos

Consegui deixar muita coisa para trás.

Em especial, consegui terminar o maldito site dos infernos - que aliás, ainda falta ser publicado, mas aí já é um problema do meu cliente, que terá que arcar com os custos de hospedagem/domínio, e no momento, está indeciso sobre qual servidor é mais barato... Como se o meu serviço já não tivesse sido barato o bastante. Mas enfim.

Uma segunda coisa que terminou foi o semestre letivo, embora eu não tenha ansiado por isso. Ir à aula é algo que sempre me fez sentir melhor - praticamente o equivalente de 500g de chocolante branco com recheio crocante ou uma ida ao cinema.

Mas foi bom terminar esta etapa. Agora, são só mais dois anos até a conclusão do curso - e vocês podem se perguntar "apenas? São dois anos INTEIROS! Setecentos e trinta dias! Dezessete mil, quinhentas e vinte horas! Um milhão, quinhen - vocês pegaram a idéia... O que diabos ele está fumando e por que não oferece a ninguém?" A verdade é que cada mês, cada dia, cada aula, é para mim como recuperar um pedaço da minha vida, ou pelo menos o que ela poderia ter sido, se eu não tivesse largado o curso de Comunicação na UFRN em 97. Já se vão dez anos desde que passei naquele fatídico vestibular em 94. E eu fico às vezes matutando como seria esta vida se eu houvesse prosseguido, apesar de tudo o que acontecia então.

Provavelmente seria alguém muito diferente, e certamente não teria passado por muitas boas experiências que tive ao longo do caminho, que acabaram por me tornar em quem sou. E quer saber? Eu gosto de quem sou. Certo, talvez eu seja o único (tá bom, Thati, eu não sou o único), mas já é o bastante. Pelo menos eu tenho amigos que falam mal de mim.

Vou colocando a vida nos eixos. Revendo os amigos que eu às vejos relego ao descaso por achar que eles já têm problemas o bastante sem terem que me aguentar falando sobre a obscura inevitabilidade do destino como um laborioso caos fragmentado que se alterna em padrões superimpostos de microordem sobre a trama coesa da realidade.

Viu só? Eu fiz de novo.

De qualquer maneira, estamos de volta. Espero que isso não vá incomodar muita gente, por que eu já estou quase me acostumando a aceitar o fato de que tem gente no mundo que não gosta de mim. O perigo vai ser quando eu começar a gostar disso.

Saludos amigos!

 

9.12.04

Sic Semper Ambulando

Não se animem ainda: só a partir do próximo final de semana que este blog deve voltar ao normal. Ou seja lá qual for o estado mais rotineiro dele. Bom, pelo menos eu tenho algumas boas novas:

  • O site dos infernos finalmente vai ser terminado (coisa de dois, três dias e olhe lá);
  • Thati recebeu alta completa do médico, já pode fazer abdominal, andar a cavalo, jogar tênis, usar O.B., essas coisas - inclusive algumas coisas que eu não posso citar aqui por que pode ter criança lendo;
  • As férias chegaram! Só falta saber as notas de duas disciplinas, que inclusive foram as mais mangabas em matéria de provas...
  • A atual campanha de Shadowrun parece estar indo bem. Ou assim eu espero...

No mais é isso. Mais elucubrações soturnas, contos taciturnos e outras cositas más a partir de segunda-feira. Aguardem, mas sentados, por que em pé cansa!

20.10.04

Tempo rei

Quem andou batendo perna por aqui já deve ter notado que ultimamente eu não tenho escrito quase nada, ou nada mesmo, se vocês gostam de sinceridade...

os motivos são óbvios: com Thati ainda "de cama", mesmo já estando em casa e livre dos pontos, ainda não está 100% recuperada, coisa que só deve acontecer lá para fevereiro. Assim, esperem posts escassos neste período.

Ou não. Milagres acontecem.

Obviamente, eles não acontecem comigo, ou eu já estaria rindo feito criança com um valor de sete dígitos na minha conta bancária.

 

7.10.04

Sob as bênçãos de Esculápio

Thati saiu da enfermaria para a sala de cirurgia hoje às 08:30h da manhã, como imaginávamos. A cirurgia, que necessitou apenas de anestesia raquidiana e sedação, foi até às 11:30, aproximadamente.

A vesícula foi retirada, criou-se a ligação do cisto com o intestino e após coletar um pouco de material do cisto para análise (procedimento de praxe), ela foi cerzida de volta e levada para a UTI, onde pôde ter duas visitas, das 12:00h às 12:30h, que foram D. Fátima (mãe da Thati e - obviamente - minha sogra) e eu.

Ela estava ainda um pouco baqueda. O ombro esquerdo estava dolorido, por alguma razão desconhecida, e teve náusea, vomitando duas vezes um pouco de suco gástrico. Mas já havia recebido plasil e estava melhorando. O seu maior desconforto estava de volta - o dreno no nariz, mas pelo menos o tempo com ele será mais curto.

E põe menos tempo nisso. O prognóstico inicial do Dr. Braga é de que ela vá ser liberada dentro de uma semana - ao invés de duas, como havíamos sido informados anteriormente - e que hoje mesmo ela seja levada de volta à enfermaria, ao invés de ter que passar 24h na UTI. Provavelmente, ela deve voltar à enfermaria até às 19:00h.

Então, até agora, tudo bem. Bom, mais ou menos. Eu fiquei preocupado ao conhecer a médica-chefe da UTI, a Dra. Silvana! Fiquei estarrecido com esta terrível revelação - que males diabólicos estão sendo engendrados naquela UTI do mal? Irá minha bem-amada despertar para descobrir que agora ela é capaz de saltar mais alto que um metrô, correr mais rápido que um elevador e ver o mundo através de sua visão de raios-technicolor D-Wide? Queira deus que não. Ou aquela UTI vai virar churrasco até o dia seguinte (assim, claro, que arrumarmos um bom advogado e uma transferência para outro hospital, além de um bom pedaço de bacon).

Bobagens à parte, até agora tudo corre bem, e como eu acho que já disse, não há motivo para que não continue assim. A partir de amanhã as visitas devem estar liberadas, e quem tiver estômago já pode aparecer no quarto 2018 (acho que não vai mudar).

Um mundo sem palavras

Em um mundo sem palavras eu não teria muito o que dizer, já que imagens são a única coisa que eu consigo conjurar através destes símbolos e signos que chamamos de alfabeto, e como minhas habilidades gráficas não vão muito além da caricatura malfeita, que apenas com muita benevolência, poderíamos chamar de caricatura, faço destas linhas mal-digitadas meu derradeiro lar.

Apesar do primeiro parágrafo um tanto repleto de falso grandeur e da minha atenção dividida entre este post e o último episódio de Law and Order: Special Victims Unit, espero atualizar algumas coisas.

Primeiro:

Thatiane foi internada na tarde passada (06/10/2004), quarta-feira, por volta das 14:30h, para sua cirurgia. Fora o nervosismo, tudo corre bem. Ela deve entrar na sala de cirurgia na Quinta-feira, 0830h. Não sei a que horas deve sair, mas de lá irá direto para a UTI, onde ficará por mais 24h (ocorrência normal - todo mundo que sai d uma cirurgia com anestesia geral passa por este procedimento, para evitar os costumeiros problemas pós-operatórios). Visitas são permitidas às 12:00/12:30h (duas visitas) e às 17:00/18:00h (três visitas). Mas não aconselho. Aguardem (para os que não têm fobia de hospital, é claro) seu retorno ao quarto (que, coicidentemente, foi exatamente o mesmo, até a mesma cama), onde as visitas são mais abertas e fáceis, especialmente com minha mãe ganhando as graças de todo o staff da enfermaria graças ao seu veneno e malemolência potiguar. Até aqui tudo bem, e não há motivos para se achar que não deve continuar deste jeito.

Segundo:

Pela primeira vez em um bocado de tempo, fomos ao cinema. Assistimos Alien vs. Predator (divertidíssimo - não espere nada profundo ou inesperado e tudo bem), Spiderman 2 (uma das poucas continuações que se saiu melhor do que seu original) e A Vila (interessante, embora eu seja mais explícito em posts ulteriores). Ter carteira de estudante faz uma diferença danada.

Terceiro:

Tive uma idéia legalérrima para um fotolog, que na verdade será uma webcomic. Pra ser bem sincero, eu chupei a idéia do Irregular Webcomic. Dêem uma olhada e vejam se não é legal, simples e econômico! E eu até já tenho três tirinhas prontas para começar...

Quarto:

O churrasco foi do cacete: comi mais bacon frito e costela na brasa que meu estômago poderia suportar - e paguei por isso no dia seguinte, já que saí com minha mãe no dia seguinte (era aniversário dela) para almoçar no Tábua de Carne, e no retorno para casa, encher o bucho de mais churrasco caseiro. Mas no cômputo geral, valeu a pena. Troquei umas palavras com o saudoso (mas NÃO falecido) Wagner via Skype, revi a turma que já não via há algum tempo (Neilson, Eric I e II, Gabriel e até - cruzes! - Roberto), aquela coisa toda. 11 anos de putaria!

Por hoje é só, pessoal. A universidade está indo bem, as contas estão sendo pagas, mas o RPG vai ter que esperar uma duas semanas, até Thati voltar pra casa e assentarmos uma rotina.

A gente se vê!

31.8.04

Sobre aniversários e fotologs

Ontem foi o aniversário de Thatiane - é isso mesmo, dia 30. Normalmente, ela usa a festa do Yuri (que aniversaria dois dias antes, eu creio), por medidas econômicas e pela possibilidade de comer bolo de sorvete sem culpa (como se gordos sentissem culpa por isso!).

De qualquer maneira - além de completar mais um aninho de vida, ela ganhou uma câmera digital de presente. Para quem gosta de detalhes técnicos, é uma PC-CAM 900, da Creative Labs. Funciona como Webcam, câmera (obviamente) de 3.2MPixels e filmadora (áudio também). Divertida. Faz até o barulhinho do obturador quando tira uma foto (um recurso que, graças a Deus, pode ser desligado).

Depois de passar as 24 horas seguintes brincando com a novidade, ela achou por bem começar um fotolog. Alguém tem sugestões?

18.8.04

Escribas da Madrugada

Outra noite dessas eu tive mais um desses sonhos esquisitos. Daqueles que você só conta pro terapeuta depois de muito sofrimento, choradeira e garrafas vazias de uísque paraguaio. O mais curioso é que eu não participava do sonho. Nem como personagem, nem como espectador onipresente - nada disso - o sonho me foi narrado, pela voz de um garotinho de não mais de nove anos.

Óbvio, tinha muito mais coisa no sonho, muito mais conteúdo que me foi contado, mas o que coloco aqui foi o que coube no Bloco de Notas logo após acordar, ligar o micro e começar a digitar. Enfim: um mundo como o mundo, mas onde todos lêem pensamentos, onde a absoluta, completa maioria da população é telepata. E suas crianças.

 

I Dream of You, I Die of You

Nós aprendemos sobre a morte cedo, bem cedo.

Aprendemos em viagens de campo, em excursões, no dia-a-dia. Nós a vemos acontecer o tempo todo em pequenos animais e plantas, em pequenas coisas que cercam e preenchem o mundo e muitos jamais percebem que estão vivas. Uma flor murcha, resseca e cai — alguém diz que ela então morreu.

Mentira. Ela já havia ido há muito, o que muitos chamam de morte sendo apenas a dívida final sendo cobrada, sendo paga.

Pequenas coisas nós podemos entender — suas vidas curtas são repletas de pressa, como se soubessem quão pouco é o tempo que têm. Ouvimos o suspiro final de ratos, insetos e lêmures, chamando pela companheira, pela prole, por comida, por algo que lhes leve a dor embora. Os adultos deixam, indulgentes, que nós os ouçamos morrer, dizem que não fará mal — outras coisas vivas são tão diferentes de nós que não suscitarão mais que uma pequena lágrima, um momento de saudade e nada mais.

Mas não nos permitem que escutemos as mortes de outros como nós, suas elaboradas can-ções de despedida, seus requiéms de abandono, de desesperado Nirvana. O que há além da morte, nenhum de nós sabe, nenhum de nós entende. Os adultos dizem que ninguém pode saber ao certo, que ninguém pode contar — ninguém voltou para dizer as viagens no mundo além do mundo.

Mas quanto a nós?

Quando eu era uma criança — e todos nós éramos, então — um de nós, em uma excursão na floresta, foi picado por algo menor que podíamos perceber, um inseto ou outra coisa que deixa uma pegada tão pequena em nossos ouvidos que não é possível saber jamais que ele esteve ali, e o que fez. O nosso colega caiu e se retorceu por um instante, gemendo baixo e suando em profusão.

Não havia adultos por perto, e ninguém podia alcançá-los, chamá-los, um grito, nada. Fizemos um círculo ao seu redor e alguns tomaram sua mão, tocaram seu rosto, afagaram seus cabelos. Ele fechou os olhos por um instante e se foi, diferente da chama da vela que se extingue no sopro do vento forte. Os animais e insetos ao redor calaram-se, e por um instante interromperam suas caças, fugas e cópulas, como se tudo o mais fosse alheio a este momento. Todas as pequenas coisas pararam um instante, como se sua dádiva fosse para que ele pudesse morrer com tranqüilidade, em silêncio e em paz.

Vimos então que também somos pequenas coisas, e que ao morrermos, ninguém notará nossa morte.

A não ser outras pequenas coisas.

16.8.04

Domingo in concert

Pois é: neste domingo, ao invés de descansar, trabalhar um pouquinho, estudar, ou fazer fosse lá o que fosse (até catar piolho em cabeça de careca servia), eu resolvi acompanhar minha esposa e uma amiga a um show imperdível, coisa que só se vê uma vez na vida: algo assim como a morte, em qualquer sentido que você possa imaginar.

É melhor eu deixar de enrolar e abrir logo o jogo: eu fui para o maldito espetáculo (se é que se pode usar a palavra) Marina Elali e Convidados. Pior não poderia ser. Ou melhor, até poderia, mas pesadelos eu já tenho sem nem procurar por eles, então vamos deixar assim.

Chegamos no Machadinho às 15:30h para um espetáculo (tenho que encontrar um termo mais adequado para aquela provação espiritual) que só começou às 17:10h e teve seu fim cerca de uma hora e meia depois. Primeiro apresentaram-se alguns convidados, como os sempre presentes e insuportáveis Pedrinho Mendes e Cleudo, acompanhando Isaac Galvão (cuja voz é melhor que todas as outras juntas naquele arremedo de apresentação), Babau, e outros. Nem gosto de lembrar - meu cérebro começa a não pegar nem no tranco. Finalmente chega a estrela-mor, vestida como se fosse 1987, com vestidinho preto, meias da mesma cor e botas de cano longo combinando - com uma jaquetinha vermelho-pink cobrindo a coisa toda. E mullet. Parecia uma cópia malfeita da Gloria Stefan ou da Maddona, se ela tivesse copiado a Janet Jackson em seus primeiros anos de sucesso.

Inaceitável.

Além de não cantar essas coisas todas e de ter a mesma presença de palco de um portador de síndrome de down com epilepsia (ou seja, deprimente e constrangedora), ela faz uma pose de megastar que não é brincadeira, com todas as caras e bocas a que tem direito. Arrematou com um "como uma deusa" com todo gosto, fechando seu número particular, antes de fazer duetos com alguns amigos de Fama.

E aí a coisa ficou engraçada. Ela cantou uma música inédita de seu próximo disco, Mulheres. Tem uma pedaço que é assim: "Mulheres que gostam de batom / Mulheres que gostam de mulheres..."

Aí eu me lembrei daquele papo dela ser - digamos - entendida, ou para os mais simplórios, sapatão. Já eu prefiro o termo lésbica.

E daí, Petras?

E daí nada, uai!

Só que isso foi a coisa mais interessante do bafafá inteiro. Um amigo nosso que estava na mesa, jornalista e também da tchurma dos entendidos, confirmou que da fruta que eu gosto, a menina come até o caroço, e que foi este o motivo para ela ter sido mandada a Boston para terminar seus estudos. Diz-se que a situação teria ficado compllicada, caso ela continuasse aqui. Socialmente, quer dizer: a província é pequena demais para certos bochichos. Atualmente, ela tem um namorado, mas diz-se que o dito cujo também joga no time do Oscar Wilde. Coisa que claro, ninguém confirma nem desconfirma.

Claro, nada disso é da minha conta, mas no meio de um Machadinho lotado de dez mil fãs de Marina Elali aplaudindo cada macaquice no palco, a coisa mais divertida a se fazer era falar mal de quem estava sob os holofotes.

13.8.04

Ah, meu santo - o quê, mesmo?

Deve existir um santo padroeiro, protetor dos nerds.

Não um daqueles especializados, que só atende promessas milagrosas de phreakers, geeks ou crackers, mas como um bom santo de nerd, que seja multi-tarefa, pau-pra-toda-obra, mais quebrador de galho que primata superior obeso.

Tem que existir.

Já notei que fico meio espiritualista, quase religioso, quando a coisa aperta e o botão de auto-destruição parece piscar à minha frente, enquanto eu sonho com um atalho de undo no algoritmo da minha realidade privada. Sábado passado foi um desses dias.

Ainda terminando o trabalho do CD (que só foi concluído lá por volta da última hora MESMO, e refeito às pressas doze horas antes do lançamento), em plena madrugada, achando que talvez desse tempo de fazer com que aquele desastre gráfico total não fosse tão completo, minha placa-mãe resolve que já havia cumprido sua missão na terra e se vai - não com um estrondo, mas com um suspiro.

Resultado: madrugada perdida. Uma manhã seguinte empurrando borrachudos na loja mais próxima de informática depois, eu estou de máquina nova. Nada demais: um Athlon 2200+ com 512Mb DDR de RAM e um mouse ótico (quase que é sem fio). O resto é o mesmo. Ah, e um par de caixinhas de som de R$ 16,00. Bela bosta. Pelo menos dá pra trabalhar direito no resto do sábado e no domingo, certo? Errado. A loja (no caso, a Miranda Informática) não tinha metade da memória em estoque (em dois pentes de 256Mb) e só me entregou na segunda-feira, lá pelas 14:00h, depois de muita insistência e choradeira.

Poucas vezes eu senti um alívio tão grande quanto o de concluir este trabalho. Não porque ele seja financeiramente compensador, ou porque ele tenha sido intelectual e criativamente estimulante - nada disso. É principalmente porque ele COZINHOU minha paciência em fogo brando por quase dois meses.

O único saldo positivo dessa catástrofe foi o surgimento de alguns contatos que podem gerar futuros serviços, e... Rapaz, não me vem mais nada à cabeça. Eu poderia dizer que o melhor foi que ele terminou, mas aí é como quebrar o dedo pra esquecer a dor de cabeça.

Ou seja, inviável como alívio filosófico.

Isso tudo me levou a reavaliar minhas escolhas profissionais, da mesma forma que um judeu que se descobre em Auschwitz se descobre subitamente reflexivo sobre a infalibilidade de sua religião. Será que eu estou na área certa? deveria largar essa porcaria de design para sempre e procurar trabalho como pizzaiolo ou vereador? Dúvidas, dúvidas...

Enquanto as decisões não chegam, a vida continua e eu tenho mais uma pilha de livros sobre comunicação para devorar. Pelo menos eu gosto do que faço.

O que não é grande coisa para se dizer ao banco quando um cheque sem fundos bate na conta - mas enfim.

 

9.8.04

O Inferno na Terra

Poucos sabem o que passa na vida de alguém que fez quase todas as escolhas erradas - em especial quando se passa dos trinta e se nota que, raras exceções, a maior parte das suas escolhas profissionais foi malograda pela sua incapacidade de dizer "não".

E por ser incapaz de dizer não, eu acabei com um pepino, um abacaxi, uma jaca (ou seja, qualquer fruta de difícil e dolorosa inserção anal) nas mãos, de proporções ciclópicas. E nas últimas semanas, tem sido a coisa que mais me destrói o juízo, acima da inflação, da subida do dólar, e dos problemas médicos de minha cara-metade. Consome minhas horas despertas e nas (poucas) horas de sono que tenho, ele atravessa meus sonhos com a persistência de um câncer no duodeno.

De uma maneira geral: quando um cliente se aproximar de você com um trabalho que - pela descrição dele - é interessante, desafiante e compensador, corra. Aponte numa direção vaga, diga "ei, aquele não é o Elvis?", e quando ele olhar para a direção que você estava indicando, convença as suas pernas de que você poderia ser um campeão dos 100 metros rasos. Não há outra opção. Porque você pode acabar como eu, montando um CD-ROM que:

  • Vai ser entregue CINCO dias fora do prazo, deixando você com meros dois dias para fazê-lo, quando você precisaria de pelo menos seis;
  • Vai conter erros quilométricos de padronização e formatação dos textos entregues, que AINDA vão ser convertidos em HTML, e terão um tamanho tal, que vai fazer o conversor Word/HTML do seu programa de webdesign engasgar de medo;
  • Vai conter CENTENAS de imagens repetidas, mal escaneadas, de origem não identificada, e que - aparentemente - eles crêem que você pode melhorar como quem abre o mar vermelho em dois com um gesto;
  • Vai ter 7Gb de arquivos de áudio para serem inseridos, a maior parte deles discursos, que DIFICILMENTE podem ser compactados satisfatoriamente;
  • Vai ter que possuir uma interface ao mesmo tempo vibrante e divertida, mas idiot-proof ao ponto de um assessor político do vereador de Riachão de Banabuiú ser capaz de usá-lo sem problemas;
  • E vai ter tudo isso em menos de quatro dias.

A conclusão é a seguinte: se (e é um grande se) eu conseguir executar isso tudo, podem começar a me acender velas em um altar, porque já terei executado meu primeiro milagre, e a canonização em vida será apenas uma formalidade.

E me vem à mente a persistente idéia: "eu devia ter cobrando o triplo".

E ainda não ia ser o bastante...

 

23.7.04

Se Leonardo daVinci,
por que eu não posso dar duas?

Existem momentos na vida de um amante da literatura em que ele reconhece que fez merda. Isso é ainda pior na vida de um Nerd, porque enquanto ele reconhece a necessidade de virtudes como regularidade gramatical e ortográfica (que são secudárias à primazia da qualidade da obra como renovadora da produção literária), ele não pode deixar de notar que o livro que ele acabou de ler, tão aclamado pela crítica e pelos amigos, é uma bela de uma bosta.

É isso aí. Há algumas semanas atrás, terminei de ler O Código Da Vinci (BROWN, Dan. Editora Sextante, 2004), e levei algumas semanas negando o fato com todas as forças do meu ser. Mas como diria aquele cavalheiro com diarréia galopante, "não dá mais pra segurar".

O livro é muito ruim mesmo.

O autor tenta criar uma versão best-seller de O Pêndulo de Focault, do mestre Umberto Eco, cheio de conspirações, mistérios, revelações surpreendentes sobre mistérios ocultos mesclados com informações apóscrifas, sociedades secretas e seus não menos secretos participantes.

E claro, eu nem preciso dizer, mas ele falha miseravelmente.

Recheado de pequenos segredos "ocultos", no melhor estilo aprenda-mesmo-sendo-um-americano-idiota, ele usa personagens caricatos, bidimensionais, em uma trama tão óbvia quanto idiota. E o pior é que ele é parte de uma série!

Vrdaeddeiramente deprimente. Muito pouco do livro se salva, e quando eu digo muito pouco, eu digo quase nada. Se querem um romance bem mais interessante, procurem pelo O Enigma do Oito, de (NEVILLE, Katherine, Editora Best Seller, 1988), uma intrincada trama de sociedades secretas recheada de interessantes reviravoltas, xadrez, física subatômica, novela das oito e mistérios que a humanidade não pode conhecer.

Mas voltando ao lixão: ainda não sei como é que eu fui comprar aquela porcaria baseado apenas na opinião de uma amiga e de um colega de classe. Quer dizer, a minha amiga ainda passa - ela é às vezes meio impressionável, embora costume acertar nas escolhas. Mas na de um colega de classe... Tsc, tsc. Uma misaelada daquelas.

Deixem-me terminar com um "não comprem e não leiam", pelo menos, se puderem evitar. Este livro é como uma droga psicodélica: cara e faz mal aos neurônios. E pra piorar, só dá bad trip.

 

18.7.04

Filmes proibidos

Não, esse post não é sobre pornografia. Na verdade, eu só queria comentar sobre alguns filmes que eu assisti e que provavelmente jamais, nunca, em tempo algum eu vou ter a chance de ver novamente.

Isso já aconteceu com você, certo? Uma madrugada insone curtindo aquela fossa pós-chute-na-bunda, ou depois de chegar daquela festa tarde da noite, ainda ligado, com um resto de dance dance revolution techno trip-hop music ainda ecoando nas profundezas do seu canal auditivo. Você se agarra com seu refrigerante ou comida-porcaria preferidos e liga a TV, zapeando em busca de algum tesouro em 525 linhas de resolução, esperando não encontrar aquela milésima reprise de Pelo Amor de Benji.

Velhos clássicos, ou aquelas pérolas que são boas demais para a sessão da tarde - ou ainda por demais complexas em forma e conteúdo para o Supercine ou Tela Quente, e por isso mesmo ficam relegadas às longas horas antes do amanhecer, quando apenas os solitários, os insones e os astronautas do mundo recheado por aquela estranha luz crepuscular da TV, como se fosse uma realidade feita de regras simples e imutáveis, como "a polícia sempre chega atrasada", e "o assassino nunca morre da primeira vez".

 

Freeway

Embora eu tenha visto apenas o último terço do filme, é uma daquelas estórias que você não vê tratada com tão bom humor negro no cinema americano desde Assassinos por Natureza ou Clube da Luta.

Reese Witherspoon interpreta este curioso conto de fadas moderno, como uma chapeuzinho vermelho (estilo Christiane F.) que é violentada pelo lobo mau (Keiffer Shuterland, maravilhosamente desfigurado pela maquiagem) e acaba na cadeia, após tentar obter sua (psicopática?) vingança. Fugindo da cadeia com a ajuda das colegas (Alana Ubach, de O Mundo de Bickman e a já-conhecida-mas-só-recentemente-reconhecida Brittany Murphy), ela volta à casa da vovó para seu terrível desfecho.

Se tiverem a chance, não percam.

 

Título desconhecido

Este é um verdadeiro tesouro do Corujão (ainda existe?). Encontrado em uma madrugada regada a coca-cola com rum e jujubas de cereja (não perguntem), ele conta com a aparição especial de Rick Moranis, inesperada e - infelizmente - curta. O enredo é tão simples quanto incompreensível: um rapaz, recém-formado em administração (ou economia, eu nunca lembro) vai fazer um estágio em uma megacorporação, em cuja sede a loucura é mais comum que relatórios de debêntures ou cópias do balanço semestral. Membros do alto staff que se reúnem na escada de incêndio para fumar maconha enquanto discutem o caminho da empresa para os então iminentes anos 90, jogos de sexo e poder entre as secretárias executivas, tudo tem um lugar nesta comédia despretensiosa e caótica.

Minha melhor lembrança deste filme vem de uma cena onde o jovem estagiário encontra uma administradora na porta de seu escritório, recém-saída de uma acalorada discussão com outros colegas, vestindo trajes que cairiam melhor num catálogo da Valisére (ou, para os puristas, Victoria´s Secrets). Ele olha para, entre surpreso e confuso, e ela lhe diz (mais ou menos, minha memória é como o plástico: torna-se fosco com o uso prolongado do álcool):

- Não fique tão surpreso.
(dá uma longa tragada em seu Dunhill de três dólares a unidade)
- um dia eu também fui como você. Queria mudar o mundo, mudar tudo, fazer melhor, mais humano. E para isso eu fiz de tudo. De tudo.
(exala, deixando uma pluma de fumaça preencher a câmera que lentamente fecha em close-up)
- Você luta por cada sala, por cada promoção, faz acordos, vende, rouba, trai: tudo pelo seu sonho.
(traga novamente o cigarro, desta vez com mais convicção)
- E finalmente, quando você chega lá, você consegue, você dá as decisões, você diz o que deve ser feito, como e quando... Quando você está no topo, no comando, quando tudo é seu...
(dá a última baforada antes de lançar o cirgarro longe, com piparote que necessitou de pelo menos duas semanas de prática contínua, em um misto de elegância e um certo desprezo)
- ...você não sabe mais porque quis chegar ali.

Um dia eu vou lembrar do título!

 

17.7.04

Sobre sonhos e seriados

Há algum tempo atrás (coisa de catorze anos, para ser preciso), eu comecei a ter uma sequência de sonhos em série, um dia após o outro, cada um contando uma parte de uma estória. O mais importante nestes sonhos era a riqueza de detalhes, de eventos, de pessoas. Eu comecei a escrevê-los, mas era tanta coisa, que acabei apenas por escrever um plot de eventos, uma lista de personagens, e depois disso, eu comecei lentamente a escrever uma estória fechada.

Semana passada, eu achei os meus manuscritos destes textos, e alguns dos primeiros esforços. Minha pergunta é: vale a pena? Estou pensando em usar o blog como um catalisador de obrigação. Digamos - uma parte por semana, ou coisa parecida.

Bom, a resposta fica com vocês.

 

Torres de Atlântida

Parte I

Chove ao redor das Grandes Torres: água, som e luz pouco acima de seus cumes afiados. Um açoite frio do céu e atravessando quilômetros até atingir o grande mar e as ilhas do Povo das Torres Altas: as dinastias imortais que se escondem da plebe em costumes febris e delicados, servidos por máquinas, cercados por exóticos animais de estimação — criaturas modificadas geneticamente a seu bel-prazer, tão diferentes da forma que tinham originalmente, que os povos Abaixo acreditavam neles como crias dos Deuses, todos eles — os leões com asas, as serpentes de hálito chamejante, os lobos que andavam sobre duas pernas.

Trovões pontuam o clarão quase incessante dos relâmpagos nesta primeira noite do equinócio de verão. Para as Torres, é uma noite diferente de muitas outras, por vários motivos. Hoje, todas as famílias nobres se reúnem na mais alta de suas torres, esperando...

— Está quente, aqui...

— Você preferiria estar lá fora, eu suponho.

— Não deve fazer muita diferença.... Esta noite maldita...

— Nisto eu concordo. Lady Dartrasis deveria ter contido o seu parto para outra noite. Ou, pelo menos, até o amanhecer.

— Mas não! Ela quer ter seu filho logo esta noite!

— Não é culpa dela, senhores.

— Tampouco é nossa. Noite maldita... Estes relâmpagos todos... Não há ninguém aqui que saiba pará-los?

— Não na noite do Naiv. Ninguém pode.

— Ninguém ousa.

— E ela ousa ter filhos nesta noite!

— Sim, é perigoso, mas a escolha é deles. A escolha dos Regentes.

A isso, os Lordes assentem e espalham-se pela sala de espera da Torre Imperial: Uma abóbada de aço vitrificado, suspensa a quilômetros do solo por poderosos filamentos biometálicos, tênues como as promessas de um feiticeiro. As luzes baixas espalham pequenos círculos de luz indireta pelo aposento de cantos arredondados, repleto de um luxo sucinto e quase descuidado.

A chuva está rugindo algo para eles, escorrendo pelas janelas em forma de bolha. “Ouçam”, ela parece dizer, “Hoje será uma noite para ser contada sempre. Lembrem-se bem”. E eles se envolvem em seus mantos, apesar da temperatura ambiente regulada para um calor subtropical, apesar das chamas que ardem, sobrenaturais, em bastões metálicos nos cantos da sala.

E acariciam seus amuletos de magia ancestral. Mãos se fecham sobre punhos de espadas que guardam o espírito de eficientes guarda-costas, há muito falecidos; jóias que escondem gênios antigos, entidades descorporificadas, padrões de energia presos dentro de um intrincado relevo oculto de poder.

Os Lordes sentem algo que a espessura de seus próprios espíritos não lhes deixa admitir, algo que só crêem reservado para os fracos e inferiores.

Os Lordes das Torres Altas de Atlântida estão com medo.

— Que horas são?

— Deve ser quase manhã.

— Não, não. A manhã irá demorar a aparecer, ainda mais com esta tempestade maldita, esta abominação...

— Não diga isso. Não é uma noite para se falar do mal.

— Por que não? Tudo isso sobre a noite do Naiv é uma estúpida superstição, velhas estórias levadas a sério por tempo demais. Nenhum “mal terrível” caiu sobre nós, há mais de mil e quinhentos anos. O que acham que pode acontecer? Hein?

— Lorde Mallachine... é melhor você se conter... não deveria — começou lorde Enmion, mas não conseguiu completar a frase.

— Não deveria o quê? — cortou Mallachine, com a pedra do seu broche de capa faiscando em um pulsar de luzes azuladas — Blasfemar contra os Deuses Negros da Tempestade? Não deveria dizer que suas ameaças são ridículas? Eu sou um filho das Torres Altas! Não um camponês temeroso, acreditando que o raio e o trovão são deuses famintos pelo seu sangue ralo. — ele ergueu-se, sua voz num vociferar nervoso — Eu sou Mallachine das Torres, filho do Grande Mallad, que parou as ondas com sua voz. Eu não calaria nem se o Antagonista abrisse as portas do inferno, com uma maldição em cada braço e me ordenasse!

— CALE-SE — a voz veio junto com um trovão, e mais alta que seu estrondo.

Não era uma voz que admitisse discussão. Não esperava por balbuciares atrapalhados nem por perdão. Era imperiosa. Era a voz de Lorde Rando Dartrasis, 69o Regente Imperial de Atlântida, coberto de sangue que escorria por sobre o manto e empoçava no chão acarpetado, deixando manchas escuras de um castanho cobreado por onde ele passava. A trilha de um sangue que não era seu, vindo da sala de parto até a presença dos Lordes.

Um par de pequenos corpos, nus e cobertos de muco vermelho mexiam-se e gritavam em suas mãos.

— Que todos saibam que a Casa Dartrasis tem dois herdeiros reais: dois gêmeos. — a palavra fez um sussurro silencioso correr a sala. Gêmeos eram mau presságio entre a nobreza — E — continuou ele — que o trono tem uma Regente a menos.

Lorde Mallachine era o que respirava com mais cuidado, no maior silêncio possível. Aquele homem à sua frente não parecia estar possuído pelo Demônio. Não. Ele parecia ser o próprio Demônio. Pior ainda, pela sua expressão, poderia-se dizer que ele considerava o Inferno como um lugarzinho sem importância.

Então, com os olhos muito azuis injetados de sangue em linhas finas, a pele riscada pelo brilho dos grandes raios lá fora, Rando atravessou a sala em silêncio e foi mostrar a tempestade aos filhos.

Embora há quem diga que foi o contrário.

Mas ora vejam...

Após a dica de Dulldu, em seu último post, eu fiz o teste (última moda na Internet - corram, porque essa merda de netquiz acaba já-já) do site Liquid Generation, e olha só o que saiu:

Bem, poderia ser pior.

Clarice, você está usando uma loção para corpo inteiro (snif, snif, snif), sim, uma loção muito sutil, muito... SUA VADIA!! Nunca mais me apareça aqui usando essa maldita colônia da Avon de novo ou eu arranco seu duodeno com meus dentes!

Como diria Yuri (se ele fosse o Dr. Smith), "Evil knows evil. And I know I can´t be killed by nothing less cooler than me - and that includes you, coffin filler!"

Mais e mais poesia Inútil
(isso não acaba nunca?)

beeemmm... Enquanto eu divido meu tempo entre me readaptar à minha própria casa, à volta à vida conjugal enquanto termino um website, um CD e uma diagramação de livro, eu tenho tentado dar continuidade a alguns esforços literários.

Recentemente, tenho reiniciado alguns esforços passados, feitos na língua de Albion. Um deles, que eu tenho revisitado nesta semana, é o Livro das Definições, uma série de poemas muito curtos à moda enciclopédica. Vejam vocês mesmos:

 

The Book of Definitions

Stars:

Burned Holes
In the sky
So the light
Can pours in.

Sacred:
Something so
Devoid
Of significance
That is unique.

Hope:
Gives meaning
Where is
None.

Bullets:
Just like
Life —
But faster.


Love:
Being kissed
At birth —
Once
And again.

Grace:
Shouldn´t be
Perceived,
But felt.

God:
Is.

Scar:
An assurance
Of what is
To come.

Violence:
Like pleasure,
But without
Joy.

Death:
You
Will
Meet
Her.

Cemetery:
Long shadows
Of green
Where stone
Lays
Asleep.

11.7.04

New Tróia City
ou: Homero se vira no túmulo

Só pra tirar uma dúvida: este post é mais velho que o post anterior, do meu retorno, mas pra ninguém ficar sem ter o que ler, achei melhor colocá-lo on-line. Reclamações? Procure o bispo mais próximo de sua residência.

 

Sábado, 12 de julho, pleno dia dos namorados, eu carrego a minha bem-amada para dar uma saidinha. Sem muito dinheiro no bolso, optamos por uma paquerada embalada por algumas xícaras de cappucino (para mim) e água com gás (para ela). E depois fomos assistir Tróia. Cês sabem. A nova superprodução hollywoodiana cheia de medalhões chama-mulher, como Brad Pitt.

Só que a meu ver, me desculpem e me perdoem, o filme é uma porcaria de marca maior. Em vez de um épico hollywoodiano, como Gladiador, o resultado é muito menos épico e muito mais hollywoodiano.

Tá, tá certo, não é uma porcaria de marca maior. Mas poderia ser um épico à Gladiador (mesmo com Roma parecendo Nova Iorque).

Antes de mais nada: desde quando Helena de Tróia é loura?! Que eu saiba, só daí a vários séculos que os germânicos iam ter a mais vaga idéia de que existia a Grécia, que dirá misturar seu sangue a eles. E, emuito embora os figurantes até sejam bem moreninhos, como convém a um povo do mar, de pescadores, comerciantes, pastores e demais atividades rurais, com é que os personagens princiapis vão ter aquela cara de anglo-saxões?!? O Eric Bana até que não ficou mau de Heitor, com aquela cara meio latinóide e a tez amorenada.

Como diria René: "Riculo!

Como colocou o Java (conhecido pelo vulgo de Henrique), a luta de lanças entre Heitor e Aquiles é da molésta, as cenas de batalhas gerais não chegam a tanto, muito embora as (rápidas) lutas de Aquiles sejam interessantes. Outra baboseira cata-piolho é aquele absurdo de Aquiles decapitando a estátua de Apolo com um golpe de sua espada de BRONZE! Sim, porque a estátua, se fosse de pedra, madeira ou qualquer outra coisa diferente de isopor teria suportado aquele corte numa boa. Certo, certo, provavelmente Aquiles foi a primeira encarnação de Myamoto Musashi.

E a tal da Breseida, que se eu bem recordo minha Ilíada, não é parente da família real troiana nem aqui nem no inferno. Entrou ali no bolo só pra deixar Aquiles como o galã da história. E o que SATANÁS aconteceu com a presença divina? Hollywood sanitizou o troço de uma maneira tal, que até a pobre da Cassandra, uma personagem principal (e importante) do texto, é retirada pra não ter o embaraço de ter que contar uma história que não seja "realista". E nesse negócio todo, acabaram colocando o pobre do Ulisses de escanteio, ficando o espertíssimo herói da Odisséia reduzido à categoria degradante de auxiliar de coadjuvante.

Realista? Pelo meu santo daime, A Ilíada é um texto mítico, tem tanta história ali quanto no papo do Bush de ir para o Iraque "procurar armas químicas". Tróia Existiu? COm certeza. Mas as coisa não foram exatamente como na Ilíada - ali o papo é lirismo, não história.

O pior é o encaminhamento subliminar da coisa toda: uma orgulhosa e benevolente cidade-estado sendo atacada em seu orgulho por acudir uma exilada (ei, desde quando Helena seduziu Páris e QUIS fugir para Tróia? Ela não tinha sido sequestrada?) pelos bárbaros gregos com ímpetos imperialistas de anexar os pobres troianos. Troquem a espada de aquiles por um 747 e a estátua de Apolo pelo World Trade Center e vocês vão começar a ter uma idéia aproximada da coisa toda.

Mas teve uns momentos interessantes. No afã de tornar mais "realista" a narrativa, ficou bem resolvida a morte de Aquiles. No mito grego, o herói brutamontes só poderia ser ferido no calcanhar, por onde sua mãe o segurou ao banhá-lo no rio de onde ele ganhou sua suposta invulnerabilidade. E é exatamente onde ele leva a primeira flechada de Páris (que, segundo a tradição persa já embutida na Grécia, é um excelente arqueiro. Aliás, talvez ele deva algo por ter sido elfo, mas aí já é outro filme) no calcanhar, para que sua mobilidade seja reduzida, dando tempo ao arqueiro para um novo disparo mais certeiro e mais outro, e outro... O herói arranca as flechas e deixa apenas a do calcanhar, antes de morrer - as mais incômodas. Assim fica, para quem o encontrou, que ele só foi morto pela flecha no calcanhar, seu único ponto fraco.

Falando de uma maneira geral: foi divertido, mas poderia ter sido melhor. Se a direção e produção não estivessem tão preocupados em colocar mocinhos e bandidos no filme (Menelau e Agamenon têm uma índole digna de generais americanos no Vietnã), e se preocupassem mais em contar a história de uma guerra de 5 anos ao invés de uma que durou menos de um mês, eu teria ido assistir uma duas ou três sessões.

É meio como Matriz Reloaded e Revolutions: pode ser que não cheguem nem aos pés do original, mas eu paguei com gosto para a segunda sessão de cada.

Payback is a bitch

Para todos que pensaram que eu estava morto, meus sinceros sentimentos (ódio é um sentimento, certo?). Mas ainda não foi desta vez, malditos bastardos.

Da próxima vez, lembrem-se: o fio do detonador vai na bateria do carro, e não no relé do acendedor do painel, já que o mesmo está quebrado desde épocas imemoriais, perdidas na história até mesmo de civilizações desaparecidas.

So... long time don´t see, hum? O caso é que as coisas andaram meio complicadas ultimamente, mas de certa forma, também andaram melhorando: eu consegui alguns trabalhos, e enquanto aquele emprego mamata de meio expediente a dez mil reais por mês para administrar os horários das copeiras da secretaria de serviços gerais não sai, dá pra segurar as pontas.

Boas novas? Bom, Thati não vai mais precisar retirar a vesícula. É isso mesmo: como mágica, os cálculos migraram para o estômago, de onde jamais escaparão... com vida.

As más é que seu cisto, originalmente do tamanho de um caroço de azeitona, que o médico esperava que fosse naturalmente absorvido pelo organismo, expandiu-se para um volume de 500ml, literalmente devorando cerca de 55% de seu pâncras no processo. Assim, ela não poderá mais fazer aquela confortável cirurgia laparatômica que faz duas pequenas inserções de três pontos cada, e terá que se confortar com uma cirurgia abre-costela padrão e ficar com uma bela de uma cicatriz longitudinal do meio dos seios até o umbigo. Adeus, fotos pra Playboy (e eu que sonhava com a grana do DVD especial com o making of das fotos)...

Sequela? bem, basicamente nenhuma, exceto pelo fato do pâncreas ter sido reduzido a menos da metade, ela não vai poder mais contar com a produção normal de enzimas para a digestão de gorduras saturadas e da sempre favorita insulina. Isso significa que adeus gordura, de uma maneira ampla e irrestrita, e adeus açúcar de uma maneira definitiva e completa.

Isso não é nada. O pior são os dois meses de recuperação. A operação deve ser no final de agosto, quando o cisto estará com uma cápsula de tecido mais grossa - e portanto, mais seguro de se manipular. O pior é que ele nem vai ser retirado (quer dizer, não, é como retirar o próprio pâncreas, do qual ele faz parte). O que a cirurgia fará é ligar o cisto ao estômago, de forma que todo o seu conteúdo será drenado para o suco gástrico, murchando e eventualmente sendo reabsorvido pelo corpo. Estripulia de novo, só no final de novembro.

Uma pena que, diferente do fígado, o pâncreas não se regenera. Maldito amador.

Assim, a vida continua, e nossas vidas terão que sofrer uma mudança de rumo gastronômico súbita e completa. Bom, pelo menos é saudável. Ou pelo menos é o que eu tento me convencer todo dia, quando vejo aquelas MALDITAS propagandas de fast-food e de frituras da Sadia.

Maldita TV.

Enfim. Estou de volta. Estamos todos de volta.

Todos nós dois, mais as cachorras.

Seja o que Deus quiser, e é melhor que ele queira, porque senão eu não vou descansar até encontrar um bueiro grande o bastante...

20.6.04

...no blog dos outros é refresco, parte 2: O Retorno do Reiado

Como já faz algum tempo que eu não visitava o blog dos amigos, (0no melhor dos sentidos possível, seja ele qual for), devido à faculdade e ao (pouco) trabalho, resolvi tirar a tarde para fazê-lo, e também tecer comentários variados sobre os estados dos posts atuais - vocês já conhecem a fórmula. Vamos lá:

O Java - que alguns conhecem como Henrique - andou postando umas mensagens curtas, e como de praxe, devido ao seu curto tempo de empresários, esparsas. Mas seu maior mérito é ter reativado o blog da Irmandade e fazer colocações cotidianas, simples e acertadíssimas. Vale conferir.

Yuri continua no equilíbrio entre o desespero total diante da barbárie que assola o mundo, suas impressões sobre o declínio da realidade cultural e arquetípica e poemas açucarados meia-boca (como são todos os poemas de amor) para vocês-sabem-quem (como se ninguém soubesse).

Lucy mantém sua fase rebelde-pero-no-mucho, insatisfeita com os contrastes entre a realidade social e a possibilidade concreta de alegria garantida a curto prazo. Embora eu discorde dela em alguns pontos de natureza política, eu abençôo sua força de vontade e de sonhar.

Parece que o mundo e as coisas do mundo não estão sendo favoráveis ao Mallen. Espero que mudem, mas a situação anda tão barra-pesada pra todo mundo, que nem cachorro a grito a gente mata mais, porque tá dose encontrar cachorro. felizmente, ESSE não é um problema para o Mallen, com seu zoológico canino particular.

Destaques da casa do caralho (Beto) são as recentes fotos de safadeza e sacanagem do mesmo, em especial lembrando da sua lista de valores femininos e de propagandas inusitadas e (assustadoramente) verídicas

Bem, por enquanto é só: tenho que dar um jeito no computador da minha madrasta e ir visitar minha cara-metade!

18.6.04

Uma noite de Horrores
ou: Porque eu odeio dar caronas

Há uma semana atrás (ou talvez menos - a memória é uma daquelas coisa com prazo de validade incerto), eu e Thati fomos assistir Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, que a princípio pode parecer uma versão Tim Hunter de Carandirú, mas não é. Divertido, e um bocado mais sombrio do que os dois anteriores - embora pareça que os produtores não tivessem se decidido se o filme seria inteiramente infantil ou não -, sua maior virtude foi ter me feito perder a sessão das 17:00h, esgotada até a máxima acepção do termo, e obrigado-me a assistir a das 19:45h.

Até aí tudo bem. Tive tempo de tomar um capuccino e comprar uns livros na A.S. Bookshop & Coffeeshop Inc., Minha surpresa foi, unicamente, encontrar Gabriel, D. Jô, Yuri e Henrique no Praia Shopping durante o mesmo horário. Surpresa, pois achávamos que iam na sessão anterior. Bom, para reduzir o imbroglio, o Gabriel fez a misaelada de atrasar-se e fazer todos perderem a sessão das 19:45h e todas as outras depois dela, pois já estavam esgotadas. E olha que era na única sala com versão legendada.

Posso até imaginar os pais cansados, com a paciência por um fio, contemplando o horror de não encontrar sessões dubladas para seus insuportáveis bebês chorões estilo "eu quero e eu quero agora" pedindo para ler as legendas. felizmente, não houve nenhum na nossa sessão. Só um par de projetos de nerd citando os nomes completos dos personagens principais e secundários à medida em que apareciam e comentando as discrepâncias do filme para com o livro que lhe deu origem. Deve haver algo que leve um homem mais facilmente e rapidamente ao infanticídio, mas francamente, eu não me importo em saber o que é. Pena que o Código de proteção à criança e ao adolescente tenha tão poucas brechas legais.

Enfim: isso não foi importante. O importante foi no feriado de quinta-feira, Corpus Christi, um feriado interessantíssimo, em especial pelo fato de que é um feriado cristão, católico e que afeta todos os brasileiros, sejam ou não cristãos e/ou católicos. Curioso, né? Mas novamente, enfim: nos reunimos quase todos, Eduardo, Denise, duas amigas da Denise (eu suponho), Java - também conhecido pelo apelido de Henrique, Yuri, o nosso saudoso Pablo - que apesar do saudoso, ainda não morreu, Neílson - o nosso bom e velho colega (e que eu cito em especial aqui, pois ele andou reclamando de não ter sido citado em um post anterior, de natureza extremamente saudosista. Pronto, está satisfeito? Gastei uns bons bytes com você). Ah, sim: Gabriel e D. Jô estavam também em nossa companhia.

Muito embora o parágrafo anterior pareça texto de J. Epifânio (alguém aí ainda se lembra?), eu gostaria de ressaltar que desejo veementemente jamais ver uma briga de casal entre Gabriel e D. Jô. porque quando um casal de amigos briga, você pode simplesmente virar o rosto de lado, e cantarolar a marcha eslava de Mozart, fingindo que nada está acontecendo. Mas quando o casal em questão é formado por faixas-preta de Aikido, Jiu-Jitsu, Kendo, Boxe Tailandês e Porrinha Coreana (não pergunte e eu não explico), isso não basta. É necessário se afastar umas boas dezenas de metros para evitar qualquer golpe perdido ou movimento marcial mais amplo, que geralmente é de natureza letal. Ora, se minha bem-amada Thatiane, sem nenhum treinamento formal em artes marciais, pode fazer daquela panela de pressão inox de 15 litros que eu lhe dei de presente no dia dos namorados, uma poderosa e letal (e também elegante) arma de curto e médio alcance, que dirá os saleiros, repositórios de maionese e ketchup e posrta-guardanapos da lanchonete onde estávamos. Enfim, é coisa de envergonhar coreógrafo de Matrix.

Mas não era disso que eu queria falar. Depois de assustadoramente termos encontrado o bom e velho Leandro (saindo do nada como um fantasma - e a metáfora não poderia ser melhor usada) e sua (suposta) namorada (que, surpreendentemente, já foi minha aluna), nós nos separamos, e eu fiquei com a inglória tarefa de dar carona a Pablo, Neílson, Henrique e Yuri.

Imaginem: tem três gordos (eu, Thati e Java), um quase-magro (yuri tem que engordar dezoito quilos para ser magro), um sei-lá-quase-gordo, que é o Neílson e o Pablo, que é o Pablo. Todos tentando caber dentro de um Uno, que é uma versão Big Mac do Fiat 147, pesadelo de proprietários e alegria da assistência técnica autorizada. Para tornar as coisa mais simples, alguém teve que ir no colo de alguém durante o percurso até a parada de ônibus mais próxima, onde eu despejaria Neílson, Pablo e Yuri. Chegando no local, depois de muita balbúrdia, os três descem, e Neílson decide que seria melhor se eu o deixasse um pouco mais adiante.

O imbecil aqui aceita, e todos voltam ao carro (cedeu pra um, cede pra todos), o que rendeu alguns minutos de riso incontido (histérico, vale lembrar), e novo esforço de caber aquele magote de formas de vida (recuso-me a chamá-los de gente) no banco de trás.

Concluindo: deixei quase todo mundo em casa, meus pneus sofreram um avanço na sua calvície e a suspensão jamais será a mesma. Mas foi divertido - tanto quanto saber que você tem um tumor maligno inoperável no cérebro, no mesmo dia em que encontrou sua esposa e seu melhor amigo praticando o doce esporte nacional (não, não é futebol) na mesma cama onde seus filhos foram concebidos (e aí você começa a se perguntar se são seus mesmo, ou se a semelhança deles com o padeiro, o leiteiro, o entregador de pizza e o moço da Sky é realmente mera coincidência).

A única coisa boa disso tudo é que eu peguei os 100 CDs do Pablo com trocentos animes para gravar e selecionar na tranquilidade do lar.

Alguma coisa tinha que dar certo.

7.6.04

Sobre homens e mouses

Ontem eu fui bater no blog do dudu, o Dulldu, a convite de nossa querida-em-comum Denise (embora, obviamente, ela seja mais querida do Eduardo, claro), e dei com aquele texto madrugador de obviedade lógica-sem-sentido que só nerd entende e - feliz ou infelizmente - só nerd pode apreciar.

Sim, porque ser nerd é uma coisa engraçada - e eu realmente preciso deixar de usar esse "engraçado", porque senão ele vai acabar ficando como o "basicamente" do Misael: um clichê gasto, que a gente até se assusta, quando ele não pronuncia um a cada três palavras.

Mas como eu dizia - ser nerd é como ser Newton na boca de Virgílio, mas trocando Newton por Will Eisner e Virgílio por Quentin Tarantino. A gente vive num mundo de absoluta abstração. Onde as coisas, as idéias e a realidade se misturam em um caldo de conceitos e concretudes pior do que caldo da caridade com muita farinha. Tem conteúdo, claro, E tem forma, com certeza, mas tudo mesclado com um senso pessoal de ridículo e de que o acadêmico é válido apenas enquanto é funcional.

Ficou claro? Não? Então me desculpe, mas você não é nerd, nem namorado(a) de nerd. Está perdendo seu tempo e gastando minha preciosa largura de banda. Xô. Vá comer acesso de um outro blog. O do Sérgio Mallandro, por exemplo. Ou do Ratinho, sei lá.

A gente é assim mesmo - divide a humanidade entre homens e deuses, e adivinha em que pedestal a gente fica? Não é que não entendamos o papel do mito industrial em nossas vidas, ou sua relevância de motivador dos nossos despertos sonhos febris, mas é tão difícil encontrar uma parceria de pessoas sem rumo certo como nós, que quando o fazemos, agarramos como a proverbial bóia de salvação, como se nossas vidas fossem uma eterna deriva em mar revolto, apreciando cada onda leviatã com gritos de "mais uma!"

É por isso que nerd é pegajoso, insuportável, asqueroso, genioso e adorável (nossas namorada, esposas e amigadas que o digam - vão arrumar um melhor, vão!).

Quem mais vai elaborar aquelas metáforas profundas sobre a realidade repletas de humor de botequim? Quem vai integrar novela das oito com a crise do petróleo em uma piada que só quem tem PHD em economia transnacional vai entender?

we few
we brave few
we band of brothers

Como se gritássemos, acordando das profundezas de um sonhos, incertos se aquele retângulo branco e luminoso piscando insistentemente à nossa frente é apenas o cursor do sistema operacional em modo de comando ou a porta das percepções se abrindo a olhos vistos, como William Blake renascido em plena era da informação.

Nós somos assim.

Oh, I could be
prisioner in a nutshell
and count myself
as emperor of
an infinite space,
were not for my dreams.

(como se despertássemos e o mundo estivesse no seu fim, acabando em fogo ou gelo ou goiabada - o que fosse mais irônico ou mortal: meu voto vai pra goiabada)

Vidas randômicas

É engraçado (eu tenho que me livrar deste termo - vai acabar ficando igual ao "basicamente" do Misael) como as coisas - e as pessoas em minha vida chegam de maneira tão inesperada e tão óbvia.

Com isso eu quero dizer que as pessoas à minha volta, aquelas que estão próximas, aquelas distantes apenas pela espaço entre nós, e aquelas cujos caminhos não cruzam mais os meus, e que me deixam imaginando quando irão fazê-lo.

Embora eu pareça um tanto triste neste início de texto, não me entendam mal (e eu já posso ouvir Elvis Costello solfejando oh, God, please, don´t let me be misunderstood), não confundam nostalgia com melancolia - são dois estados de espírito bem diferentes. Embora às vezes eu me detenha contemplativo, como quem olha o vazio por tempo demais, não há tristeza ali, coisa que nos últimos dois meses - apesar do tumulto que tem atingido minha vida em Mach 5.8 - eu não tenho sentido. Mas às vezes vejo às minhas costas as lembranças de dias passados, e destes dias, eu conservo bem a memória. Pois de tudo que eles me deram, é o que eu fiz deles, e é o que sou.

E uma boa parte do que conservo destes dias, destes inomináveis e inolvidáveis dias, o que me restam, além das lembranças, sejam elas quais forem, são minhas amizades, e não posso associar outra coisa a elas que não seja boa.

Como meus amigos da "velha guarda - Neni, André, Wagner (nem sempre um favorito de todos, ou aliás, não creio que eu deveria usar a palavra favorito aqui, mas dane-se, amizades não estão sujeitas a esse tipo de avaliação - a gente não gosta dos amigos porque são perfeitos: gosta-se porque são amigos e pronto) e Betho-san. Misael, também, entre o velhos (e sem piadas aqui, já houve mais do que o bastante, e eu temo que talvez um dia as tenhamos esgotado).

E tudo isso começa em um pátio da ETFRN.

É um pouco como se a velha escola fosse um magneto que atraiu não a nós, mas uns aos outros - se é que estou sendo claro. Muitas das caras amizades que mantenho começaram, direta, ou indiretamente, a partir dali: Wagner (nosso saudoso amigo nas terras austrálicas), Henrique, Mallen, Yuri, Pinto (Ricardo e Henrique) e Cláudio (que parte para as terras do Norte). E curioso como dentro dos muros da mesma escola vieram os laços com amigos como os Vandersteens, que apesar de milhas de asfalto, cidades e linhas telefônicas, continuam a nos aparecer, como que lembrando que a distãncia não é um muro.

É curioso lembrar como esses amigos se interligam em uma teia de conexões que nunca entendi bem, como alguns deles se tornaram companheiros de trabalho, amigos, irmãos e amantes uns dos outros.

De que maneira alguém iria imaginar a priminha do Wagner tornando-se a bem-querida do Dudu? Ou Eduardo e Misael trabalhando juntos (e por duas ocasiões!), ou mesmo o nosso saudoso e lembrado (embora eu tenha soado mais funesto que gostaria neste "saudoso") Cláudio trazendo Pablo, que seria outra adição ao nosso círculo já tão complexo de amizades? Não vou nem falar da minha querida cara-metade, cuja amizade de longos anos com a esposa de Misael a trouxe para perto de mim.

E as pessoas não param de me surpreender - ora, que diabos, eu mesmo não paro de me surpreender, passando por sobre minhas próprias incapacidades e pequenos desastres recentes, dando a volta por cima e sacudindo a poeira.

Há coisas em minha vida que não gosto - algumas eu mudo, outras eu aceito, com a sabedoria que a experiência e a paciência vão me emprestando, ao longo de cada minuto, de cada dia e de cada ano. Mas se há algo que recebo, sem mudar ou ter que usar o sacrossanto sacrifício de aceitar, são minhas amizades.

E, meninos e meninas, nas minhas horas mais difíceis, quando o mundo me quer de joelhos à sua frente, eu o faço com um secreto sorriso nos lábios. Porquê todos os problemas, todas as incongruências, tudo o que me afronta empalidece quando confrontado com a inegável alegria de encontrar meus amigos, mesmo aqueles separados pelos anos ou pela distãncia, que eu sei, não são grilhões nem muros entre nós.

O mundo nunca deixa de me surpreender.

31.5.04

As vinhas da ira e seu sumo destilado

A Denise me aviou que o Carlão postou resposta em sua coluna sobre meu mal-estar de uma coluna passada, onde ele misturava Humberto Eco e Jacques Bergier com o apóstata herético do Von Daniken.

Carlão é um daqueles caras quem eu gostaria de conversar em frente a um copo de chope: leva uma dura no meio dos ovos e responde na paz, na tranquilidade de quem sabe seu trabalho bem-feito. Bem que o velho amigo Gustavo de Castro me apontou no caminho certo. Só errou meu nome: Petras, não Petra. Mas deixa pra lá. Se eu me chamasse Flagemíglio (como registra Stanislaw Ponte Preta), seria muito pior.

Só uma questão, e aí não tem muito o que achar ruim - a palavra escrita não permite interação a não ser com o vazio de si mesmo, ecoando sua própria voz em articulações desconexas -, a questão é que eu não o achei preconceituoso ou mal-informado.

Só que ele usou (até aí eu não sabia sobre seu embasamento teórico no caso) de um termo de comparação entre coisas que não têm comparação, como Eco e Daniken (que eu interpretei como falta de informações mais aprofundadas) e jogou no texto a idéia de felicidade versus acúmulo de bens materiais sob a ótica de uma ideologia bem comum (que novamente, eu interpretei como outra coisa, no caso, um pré-conceito - o que não faz dele preconceituoso, ou seja, não é um hábito).

O caso é o seguinte, prezadíssimo Carlão: nem preconceituoso nem desinformado - muito pelo contrário. Quem escreve o que você escreve, e como você escreve, não é uma coisa nem outra. Mas o deslize é uma abençoada habilidade humana que nos faz mais humanos que a divina utopia da perfeição preconiza. O bom de quando a gente escorrega, topa no verbo, no conceito, na idéia, é que a gente aprende com isso. Eu, por exemplo, aprendi a ser um pouquinho mais complacente com gente que eu gosto de ler.

E tem razão: escrever pra jornal é coisa que eu não desejo pra meu pior inimigo, em especial porque provavelmente é o destino deste formando em Jornalismo.

Enfim, não há ira, exceto aquela contra a ignorância e a estupidez (e porque não, a cupidez) humana, coisas que nos separam daquele frágil verniz de civilização que a tanto custo tentamos manter.

Valeu a lembrança do Farenheit 451, do mestre lírico da FC Ray Bradbury, que é a exceção curiosa de um filme ser melhor que o livro a quem deve a origem. O filme de Truffault leva o título às suas últimas consequências e desenvolve um lado humano que a página impressa não possuía. Spielberg como diretor de uma nova versão? Prefiro Kubrick. Mas pensando melhor, a alma de um Fellini renascido no carne de Alan Parker daria ao filme a dimensão humana e social necessária para apreciar-se em som e imagem a força literária de um velho e notável mestre como Bradbury.

E, ainda citando Carlão, a atual invasão do Iraque me lembra a vampiresca invasão de países pobres por reis inimigos, as cruzadas cristãs levando a devastação aos pagãos de Alá sobre as asas de helicópteros anti-tanque e bombardeiros invisíveis. Em certos aspectos, parece que não mudamos nada nos últimos mil anos.

E nem Ginsberg e nem Burroughs, em seus delírios narcóticos aos abismos da alma humana puderam sonhar o dia em que a nação que se arvora como a terra da liberdade pudesse abrir fogo, abertamente, contra mulheres e crianças em frente à TV, como se dissessem:

De tempos em tempos
a árvore da liberdade
precisa ser regada
com o sangue de tiranos.

Morte por TPM

Não, este não é um longo e acadêmico texto sobre a TPM e o perigo que ele acarreta para a porção masculina da humanidade. É só para mostrar esse gif animado que eu achei no UOL.

Bonitinho, né? Agora, pra não ficar sem falar mal de nada nem de ninguém, é engraçado como toda vez que eu lembro de TPM, sem nenhuma razão ou conexão aparente, a imagem de Denise vem à minha mente...

30.5.04

Catástrofe à americana

Eu e Thatiane acabamos de assistir o cine-catástrofe norte-americano O Dia Depois de Amanhã, que embora não seja nada profundo (direção de Roland Emmerich - o que é que se podia esperar do homem de Independence Day/ID4?), tem dois conceitos interessantes.

O tema principal é uma nova era glacial, iniciada pelo descontrole polucional (olha que neologismo modernoso!) da civilização moderna. Isso resulta em padrões climáticos enlouquecidos, que como sempre, se concentram nos Estados Unidos - bom, pelo menos é só onde mostram a desgraça maior. Pra não dizer que não tem nada crítico no filme, mostra o Arqueoclimatólogo (já sei o que quero ser quando crescer!) interpretado por Dennis Quaid, avisando o vice-presidente norte-americano sobre a possibilidade de uma transformação brutal do clima em menos de 100 anos. O bisonho vice responde com uma interjeição a lá Bush, reclamando que os acordos de Kyoto já custaram muito dinheiro ao complexo industrial do mundo, e que ninguém ia se dar ao trabalho de mudar seus processos produtivos só porque um cientista qualquer está berrando "lobo". Puro clichê, eu bem sei, mas acertado.

A coisa fica divertida quando descobrem que as predições do cientista estavam erradas apenas em um ponto - a coisa toda não tomaria lugar em 100 anos, mas em 100 horas.

Bem, mais ou menos - 10 dias.

As cenas de destruição massiva são maravilhosas, coisa bíblica mesmo. Los angeles sendo liquidificada por cinco furacões simultãneos, arrancando prédios inteiros de suas fundações. Nova Iorque engolida por uma onda ciclópica (pra não esquecer Lovecraft) de água enregelante, deixando a estátua da liberdade com água até o sutiã. E rapaz, aqueles três furacões de nível titânico, três monstruosas massas de nuvens circundando TODO o hemisfério Norte, pouco acima do Trópico de Câncer (ou seria de Capricórnio?), hein? Olha, é um negócio de encher os olhos.

O segundo ponto crítico interessante é a massa de americanos fugindo para o único local no continente norte-americano que não foi pesadamente afetado - o México. Migração inversa. E não é que os mexicanos barram os caras?

Eu quase tenho um troço de tanto rir.

Eu sempre gostei de cine-catástrofe, seja catástrofe natural ou provocada pelo homem: Inferno na Torre, Meteoro, Volcano, Tubarão, Godzilla... Se tiver quantidades absurdas de gente do primeiro mundo morrendo de maneira espetacular eu tô nessa.

De qualquer maneira: um filmeco razoável, que vale a pena ver se você curte efeitos especiais e a beleza da destruição ampla e desenfreada. Pra mim é uma beleza, embora não tenha muito pra ocupar o cérebro (na verdade, quase nada). Os olhos, por outro lado...

Enfim: na quarta-feira eu vou de Van Helsing A Vanessa e o Beto falaram tão mal dele que só pode ser bom. Vamos ver.

24.5.04

Sonhares

Há muito tempo que eu sonho, e boa parte dos meus sonhos são estranhas realidades entremeadas de detalhes cotidianos que parecem fazer a narrativa mesclar-se com a realidade - me dando às vezes, ao despertar, a impressão de que acordo apenas para uma continuação do sonho, como se o mundo concreto fosse apenas um sequência, uma parte II - a vingança - da minha vida neste outro mundo sem vigília.

E como Neo ou Alice, eu sigo sem hesitar o apressado e lépido coelho branco em seu mergulho no subconsciente, sem olhar para trás e sem fechar os olhos.

Espero que vocês gostem destes quatro momentos sem sem sentido.

 

Sou um homem da lei. Não exatamente um policial, mas um homem da lei. Vivo em um mundo diferente, entulhado por sufocante tecnologia, e ainda assim, um mundo em permanente retrocesso no que se refere a muitos hábitos e costumes. Sou também habituado a resolver casos estranhos, incomuns. Mas não tão estranhos quanto o que me ocorreu hoje.

Estávamos em um enterro, ou pelo menos é assim que me parece: uma noite (ou final de dia) extremamente escur(o)a, conosco em volta de um gramado e uma cova aberta, onde um corpo é depositado. O que ocorre é súbito e nos traz quase o pânico: Uma mulher, disparando algo fino, brilhantemente luminoso e cáustico contra o que repousava na cova - que surpreendentemente, ergue-se e gira de lado, evitando o disparo. Inicia-se a tempestade. De início, penso que conheço a mulher. Mas não: é apenas uma semelhança aguda com uma das policiais, uma ruiva de grandes cabelos revoltos que procura sacar sua arma, três metros à minha esquerda, um tanto confusa.

Os dois combatentes fazem coisas que mesmo nossa quase mágica ciência não alcança. Mergulham na terra, disparam grandes jatos de luz um sobre o outro, movimentos suaves que fazem a terra tremer e o céu tomar formas ameaçadoras. Finalmente, quando tomamos (ou pensamos que tomamos) controle, eles desaparecem. O pressuposto cadáver entranha-se na terra e a mulher some como se por uma fresta no ar.

É mais tarde e estou no meu apartamento, um enorme cômodo quase no topo de um arranha-céu: aqui, tudo lembra madeira e tempos passados. Outros colegas meus estão aqui, me esperando: um técnico legista, outro policial; alguém como eu, um Marshall, que é como eles chamam, creio. E a ruiva. Não estou certo de lembrar seus nomes, embora saiba que os conheço, pois sei pequenas coisas de cada um e lembro de momentos juntos.

Um deles me mostra um filme-sensor da mulher, no momento em que desaparece. O equipamento, similar a um microscópio, só conseguiu as imagens porque ele havia deixado o sensor do seu carro ligado, sem querer, quando fora ao enterro (ou seja lá o que for). Mostra uma mulher entrando em algum lugar no ar. Mexo e giro os controles, até diminuir a velocidade do filme por um fator enorme e descubro mais uma coisa.

- Venha cá. Dê uma olhada nisso - digo.

E ele encontra a mulher, vista pelos penetrantes raios-x, no meio de nada, coberta por um manto de entropia, colocando uma estranhíssima máscara, um momento antes de esvanecer-se.

- E o corpo? - pergunto.

"Desaparecido", responde o técnico. A câmera encontrou, no início, um instantâneo dele penetrando no chão como se fosse água, mas depois...

Toca a campainha. Minha vizinha, uma bela, embora um tanto desmiolada loura, pergunta se eu não tenho uma lâmpada para emprestar, pois a dela queimou. Estende-me uma lâmpada de vidro branco em uma das mãos delicadas. Trago-lhe uma lâmpada nova, da gaveta da sala, e não sei porque, fico com a velha, e as mais estranhas associações vêm à minha mente, como se naquela lâmpada residisse alguma solução para o caso, como se ali...

Não levo meu raciocínio adiante. Sou interrompido pelos meus colegas. temos que sair.

As coisas se tornam um pouco confusas depois, e quando tomo consciência de novo, estou na casa de meu pai: uma monstruosamente luxuosa cobertura, que possui inclusive um pequeno oceano, com focas geneticamente criadas para viver ali. No jardim (um bosque em miniatura, onde eu caminho lentamente, lembrando de minha juventude) está havendo algum tipo de festa, e eu afasto-me dela, até que ouço o indistinguível grito de pavor de uma mulher. Corro para o local da festa, sacando minha arma. É um homem gordo, extremamente forte, vestido com um traje para invasão e boné, com densos óculos escuros.

Ele saca uma pistola com mira laser e luneta, mas eu consigo, de alguma forma, arrancá-la longe com um golpe. Lutamos, pois minha pistola está sem munição (esqueci de carregá-la depois do estranho evento no cemitério). Consigo quase sobrepujá-lo, mas ele acaba conseguindo escapar, saltando para uma corda pendendo da borda do jardim, caindo pelos quilômetros do prédio e prendendo a corda ao equipamento do seu traje, detendo a queda e nela desaparecendo.

Mais tarde, após a festa terminar, estamos apenas eu, meu pai, meus dois colegas e a ruiva na casa, bebendo e conversando. Eu tenho uma estranha sensação sobre os eventos de hoje. Meu pai não tem a menor idéia de quem seja o homem, mas sendo ele uma das pessoas mais ricas da cidade, ele crê que seja um ladrão. Não tenho a mesma opinião. Com o meu martini, perambulo pela casa, deixando todos conversando na varanda que dá para o pequeno oceano artificial da sacada, da borda da qual se vê toda a cidade.

Entro em uma das salas. Pequena e aconchegante, com poltronas, uma mesa de centro e um armário. Há uma lâmpada em uma das gavetas abertas. Algo está querendo me ser dito.

. . . . . . . . .

Não sei bem porque, mas estamos em Zurique, eu e minha mulher, juntamente com um grupo de amigos. Moramos em uma grande casa de três andares,em um bairro próximo do mar. O frio nos traz uma lembrança de algo que procuramos à noite.

Há um momento em que estou jogando, furioso, um livro aos pés de um amigo meu, gritando-lhe que tudo ali é verdade. Ele olha para baixo, a capa cobrindo seus sapatos, mostrando a foto de uma rosa sobre mármore negro-esverdeado. Em letras vermelhas, acima da rosa, a palavra VAMPIRE.

- É tudo verdade - digo eu, novamente, as minhas roupas encharcadas deixando escorrer poças sobre o carpete, umedecendo o chão com água salgada. Afasto uma mecha de cabelos molhados da minha cara e inacreditavelmente estremeço, não do banho recente a trinta graus negativos, não das roupas molhadas com água quase em ponto de congelamento, mas do motivo que me faz não sentir frio, que me faz sentir fome ao ver o sangue pulsando no interior das pessoas à minha volta, aspirar seu cheiro como o mais doce perfume, a mais rica e saborosa fragrância que jamais senti.

- É tudo verdade - repito.

E me deixo cair ao chão, tentando chorar.

Mas vampiros não choram.

Alguns dias depois...

Minha mulher continua desaparecida, e alguém está tentando atacar a casa onde estamos. Coloco todos na sala e estou lutando com um homem no terraço, mais forte e mais rápido que poderia supor algo vivo. Não que ele seja vivo. Mas também não sou. Lutamos, por algum tempo, até eu conseguir jogá-lo do telhado, através mais de sorte do que de habilidade. Ouço seu corpo atingindo o calçamento.

Mas quando olho, já não há mais corpo.

Uma semana depois.

Estou conversando com Mark Rein-Hagen. Ele é simpático, e me conta como ele e Anne Rice descobriram tudo, e como ele foi bem mais longe do que ela nas investigações. Um avião passa por sobre nós, distante, e sei que está levando meus amigos de volta ao Brasil. Alguém se aproxima de nós, bem vestido e agasalhado. Não estou surpreso de encontrá-lo novamente, embora o tivesse jogado de uma altura superior a nove metros de altura quando o vi da última vez.

Ele ri, e diz que traz algo pra aliviar minha tensão. Me entrega uma rosa de pétalas secas, quase murchas, dizendo que ela já estava morta há várias horas, antes mesmo que eu deixasse de ser humano. Diz também que não foi culpa dele. Não sei de mais nada, não percebo mais nada, enquanto seguro com cuidado a rosa na mão enluvada. Quando ele termina de falar e sai, eu corro em direção ao cais. Não lhe darei o gosto de me ver sofrer.

Mark vem atrás de mim, nós dois apenas borrões de movimento nas calçadas do crepúsculo de Zurique, indo em direção ao mar, com a última luz do sol ainda queimando minha pele e a dor - oh, a dor - e enquanto gritamos eu posso sentir a terrível agonia do fogo que o resto de sol, apenas uma sombra de seu sabre escarlate na borda do mar, mas ainda assim, é como um espinheiro de chamas nos nossos corpos. Grito a Mark para que volte. Não que ele me obedeça.

Chego à borda de uma rocha, mais de quarenta metros sobre as ondas furiosas e geladas, subindo com um grito e uma lágrima enrodilhados no pulmão vazio de ar.

Paro. Há um navio cruzando a borda do horizonte, manchado de rubro. A rosa em minha mão faz um ruído como o de papel alumínio sendo amassado. Giro o braço num arco longo e rápido. Uma nuvem de pétalas se espalha no ar, cobrindo o oceano de saudades mortas. Um começo de noite vai trocando a luz causticante por uma bem-vinda escuridão que me liberta da dor mas não da saudade. As pétalas da última rosa que dei a ela.

Oh, sim.

Até vampiros podem chorar.

E esta noite eu choro. Esta noite eu choro para sempre.

. . . . . . . . .

Estamos embrulhados em unidades de infantaria robotizada, a cavalaria tecnológica dos tempos futuros, avançando em passos de quatro metros, com os supressores de vibração e os cones de sombra, que nos tornam invisíveis a olhos e sensores, zumbindo nas costas, esperando impacientemente pela confrontação, o ardor do combate monstruoso, de máquinas-monstro, e sim - de homens-monstro, também: nós.

Enxergando em faixas ruidosas de infravermelho, ultravioleta, rádio e distúrbios gravitacionais, vemos a holografia dos marcadores de iminência de combate transitando perigosamente entre vermelho e púrpura nas calculadoras da matemática de guerra fractal.

O chão estremece com um espasmo seis na escala Ritcher. "Isso é guerra ou o quê?", ouço alguém gritar pelo meu receptor. Confiro o check-up visual da minha Cuspideira: a metralhadora de assalto superpesado de 37mm, munição perfurante explosiva, três mil tiros por minuto.

Explosão!

Um clarão de infravermelho absurdo nos sensores, passando rapidamente da saturação térmica para uma bola de fogo branco e alaranjado, cem metros à minha direita.

Posso ver o que restou de cinco componentes da minha tropa logo abaixo dela. O zoom me dá a horrível proximidade com a ruína carbonizada de um braço fugindo de ferragens retorcidas, semifundidas. Deixo os sensores varrerem o céu e o artilheiro automático dispara dois mísseis.

Luz.

Percebemos agora que estamos cercados, com monstruosos (e o que não o é, por aqui?) tanques abrindo impiedoso e invisível fogo de radiação sobre nós, atravessando plástico, vidro e metal para cozinhar-nos dentro dos trajes. Nenhuma evasão pode ser feita. Só nos resta destruir quantos deles for possível, antes que passem da nossa barreira e alcancem o silo três, onde a máquina de ruptura de fase cria um portal pelos abismos de espaço e tempo, que irá levar os civis para (muito, muito) longe daqui.

Não há qualquer possibilidade, chance, sequer esperança de vitória. Nós só existimos para lhes dar tempo o bastante.

Empunho meu projetor laser como uma lança, uma longa e infinita lâmina de luz cortando para sempre a realidade, para longe e sempre daqui, atravessando tanques e veículos aéreos com chuvas e cascatas de faíscas. Chamas desabrocham da carcaça de um maquinismo inimigo, faiscando holocausto na blindagem de cerâmica refletora, retalhando camadas e camadas de proteção com um ressonar barulhento de explosão. Um samurai como nunca se viu. Outros dois colossos artificiais rosnam sobre a colina mais próxima, e o braço vibra, os ossos chacoalham nas juntas quando abro fogo com a Cuspideira, espalhando inúmeras gotas de caos pelo campo, enquanto o computador mostra um gráfico fractal de combate como uma enorme onda matemática, de geométrica e simplificada beleza engolfando alguns poucos pontos difusos em uma grade escura, com pinceladas de azul e amarelo.

Alguém espalha um halo de entropia pelo campo, detonando minas de fusão e abrindo crateras vitrificadas de negro. E ainda dizem que não conhecemos o medo. Um tilintar nos sensores me atenua o desespero: Falcões atrás de nós, esguias formas aladas de homens e mulheres escorregando pela noite com um soluço abafado de antigravidade a conter seus corpos seminus, cobertos apenas com resina reflexiva de laser e antenas de sombra. O pulsar comprido, prazeiroso de suas pistolas pesadas de plasma, um retinir e ricochete finalizado com mais explosões no lado inimigo. Alguns deles pousam, apoiando o resto dos companheiros, correndo pelo campo com velocidade suficiente para incendiar seus corpos com o mais puro stress - inchando os corações em uma bomba de catarse alimentada com adrenalina sintética, estocada ao longo de minúsculas cavidades nas válvulas arteriais.

Vejo o chamejar púrpura de seus corpos quando morrem no ar, caindo com os hologramas de suas asas enlouquecidos, cadentes, em etéreas e deléveis cores de borboleta com frios tons de fogo transparente. Insetos que ousam voar perto demais das chamas.

A bateria da lança laser me dá mais dez segundos, o gume avermelhado embebido em raios-x falhando e desaparecendo no escuro. Sou atingido por uma granada, perto, perto demais. Os giroscópios me colocam novamente em pé e o computador me pergunta se eu ainda quero ficar assim. Desligo o sistema de som e penso na minha mulher, em milhões de mulheres e homens, sendo esmagados, respirando fogo grego em longa e lenta agonia se cairmos aqui, e decido que a pergunta do computador não é apenas inconveniente, é blasfêmia.

Quantos somos?

"Não mais que quinze", responde no monitor um computador apressado em cálculos de anti-balística e vetores de fogo. Giro mais uma vez a Cuspideira em arrastados semicírculos de cinquenta e três graus no céu à minha frente e espero por uma explosão que não acontece. A munição cai para dez tiros. Menos de um milionésimo de segundo de disparos me separa da morte. Tento recuar, mas as turbinas da bota não obedecem, murmurando um ruído seco e inútil. Talvez tenham sido as granadas. Não importa.

Já me sinto morto, ou meio morto, como o gato de Schrödinger. Terão que descobrir minha armadura, e eu dentro dela para que finalmente deixe de sofrer?

Espero que não.

O mundo treme com um trovão metálico, e algo quente, quase oleoso, me escorre do abdômen. O scan médico mostra um estilhaço. Uma farpa de metal radioativo de trinta centímetros, atravessada ao longo do fígado, varando uma costela e um rim. Com mais clemência que meu corpo talvez precise, ele recobre-se de um suor frio e cai rumo a uma silenciosa escuridão.

Logo após, luz.

Acordo.

. . . . . . . . .

É terrivelmente frio aqui, e minhas mãos desenluvadas não conseguem manter-se mais que dois três ou cinco segundos na água, agulhadas pela terrível frente de inverno da costa de Vladvostok... Não importa muito. Rapidamente, monto o sistema de rastreamento do torpedo ao meu lado, e deixo os técnicos fecharem-no, recolocando a cabeça da ogiva em seu lugar, cuidadosamente. Sou levado de volta ao submarino que descansa na baía, de onde posso ver o torpedo ao longe, pronto para ser testado, descansando sobre seus suportes hidráulicos, como um obsceno pênis de algum terrível deus bélico do mar, um misto talvez de Ares, Netuno e Von Braun.

Protegido na vela do submarino, relanceio com o binóculo pela praia, apinhada de veículos de esteira e hovercrafts. Um marinheiro sobe a escotilha, me avisando que o teste começará dentro de uma hora. Eu aceno com a cabeça para ele, distante. Ele me pergunta se estou bem, e respondo, distraidamente em inglês, que sim; depois corrijo em russo. Sim, estou bem, respondo apenas para o mar, em cujas profundezas dorme meu filho mais velho, na cabine de comando de uma corveta anti-submarino. Já fazem dois anos. Estará ele envolvido por anêmonas e corais? Terá seu esqueleto descarnado sido coberto pelas algas do pacífico profundo? Mas não adianta velar. Não posso saber nem sequer a posição secreta de onde seu navio experimental foi afundado por uma flotilha de submarinos invisíveis (também experimentais) da coalizão Sino-Eurasiana.

Mas estarei fugindo daqui à noite, após este teste. Quando todos estiverem comemorando meus sistemas sensores revolucionários, minhas ogivas mortais de fusão quântica, quando toda a base tiver a certeza da vitória. Haverá uma festa no balneário, com prostitutas pagas pelo Pacto de Varsóvia preparadas para me tirar dali, e me levar em um submarino escondido a cem quilômetros acima da costa. De lá, subiremos pela escuridão da madrugada de Bering, até o Alasca e daí voando para a segurança de Cuba, onde o resto da minha família me espera. Ela e longos interrogatórios por noites cujo fim não consigo imaginar.

Só o que sei é que não quero estar aqui quando tentarem me procurar, quando acionarem a busca com todos os dispositivos mortais que desenvolvi, e descobrirem que passei as últimas semanas introduzindo falhas ocultas dentro do labirinto de segredos que são seus projetos, conhecidos apenas por mim e alguns poucos técnicos leais.

Sinto apenas por não estar presente para ver o sol que beijará o mar quando os motores magnéticos dos submarinos fecharem-se sobre si mesmos, pressionando o espaço e tempo em suas gaiolas de Faraday, esmagando pequenos buracos negros sobre fótons de antimatéria, trazendo um fogo que empalidecerá a luz do dia em seus casulos limitados de destruição.

Sinto muito por ter trazido tanta morte. Mas já perdi uma esposa e um filho para esta guerra e para este mar. Sinto por ter que trazer alguns órfãos para chamar este ato de um capítulo final.